Moradores da quadra Trecho 3 do Sol Nascente, região administrativa do Distrito Federal (DF) registraram, nos últimos dias, problemas de transbordamento da rede de esgoto em vários pontos da região. Técnicos da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e da Secretaria de Obras e Infraestrutura foram acionados para averiguar a situação e iniciar as providências necessárias.
Segundo a moradora da região Susana Rodrigues da Silva, militante do Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD), o esgoto está estourado há mais de três meses. "Isso acontece e não é por falta de aviso, já que já ligamos para relatar a situação, mas ninguém aparece”, afirma. Ela ainda avalia que “o pior está por vir", uma vez que está para iniciar o período das chuvas no DF. "E aí vai ser caótico”, diz.
Nice da Silva informa que, na QNR 1, também há locais que transbordam. "A Caesb desentope, mas não passa uma semana sem transbordar. Não sei qual é o problema, mas acho que deve ser devido às muitas obras que estão acontecendo aqui agora”, relata Nice.
“Na avenida principal, ao lado do mercado, há esgotos estourados toda semana. Leva mais de uma semana para virem consertar, e isso torna a rua intransitável para os pedestres, além do cheiro insuportável”, acrescenta Susana.
Susana também destaca que, além do problema de saneamento básico das ruas, o âmbito ecológico da região ficam comprometidos, uma vez que o esgoto jorrando polui não apenas o solo, mas também a água que desemboca na cachoeira. Por consequência, interfere em toda a utilização da água para tarefas diárias dos habitantes da região. “Essa água é utilizada por muitos moradores, inclusive para banho. Portanto, sabemos que isso traz uma série de riscos à saúde”, diz a militante.
Ao ser questionada pelo Brasil de Fato DF sobre a manutenção da rede de esgoto do Sol Nascente, a Caesb informou que esteve no endereço indicado — QNR 1 do Trecho 3 —, e avaliou que a rede estava obstruída, mas sem transbordamento de esgoto na rua. "Foi identificado o lançamento irregular de gordura na rede. De toda forma, a Companhia fará uma lavagem na rede para evitar qualquer extravasamento", destaca nota.
A Companhia também considera que "esse caso do Sol Nascente é mais um exemplo do que ocorre quando moradores transformam a rede de esgoto em lixeira. A rede entope, rompe e o esgoto se espalha na rua". Apesar de a assessoria da Caesb afirmar que não havia transbordamento, as imagens feitas por Susana são de quarta-feira (9) desta semana.
O especialista em engenharia de solos e planejamento urbano, Ricardo de Sousa Moretti, integrante do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento e da Rede BrCidades, que esteve na região do Sol Nascente na última segunda-feira (7), afirma que o bairro tem urbanização incompleta. Ele acredita que a resposta da Caesb e do GDF é insuficiente e muito lenta.
"Escrevemos para a presidência da Caesb solicitando uma audiência para mostrar que os extravasamentos estão trazendo riscos elevados em diversos trechos, o que resulta em esgoto a céu aberto, completamente inadmissível”.
Urbanização incompleta
Conhecido como "a maior favela do Brasil", o Sol Nascente é o maior aglomerado subnormal do Brasil em número de domicílios, superando a Rocinha (RJ), segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Região Administrativa XXXII, possui 32.081 domicílios e uma população de 101.866 habitantes, tornando-se a maior comunidade urbana do DF e também a mais vulnerável em termos de infraestrutura. Nos últimos 20 anos, sua população cresceu 1.299%.
A RA localizada na área oeste do Distrito Federal cresceu originalmente como parte da Ceilândia e ganhou administração própria em 2019, porém os problemas de infraestrutura, saneamento básico, educação, regularização habitacional e transporte público nunca foram atendidos adequadamente para a maioria esmagadora da população local.
A defensora pública Juliana Braga, do Núcleo de Direitos Humanos da DPDF, reconhece a vulnerabilidade da população do Sol Nascente, que segundo ela, “enfrenta diversos obstáculos de acesso aos direitos mais básicos, aos serviços públicos essenciais e é vítima do racismo ambiental”.
"A vulnerabilidade social, especialmente em relação a trabalho e renda, foi intensificada durante a pandemia, expondo problemas como a regularização de áreas, questões ambientais e disputas territoriais. A ausência de programas habitacionais eficazes pelo governo do Distrito Federal (GDF) levou à expansão desordenada e à grilagem de terras, agravando as condições de moradia. A demanda contínua por habitação requer programas sociais que atendam às necessidades da população de baixa renda", destaca André Tavares, arquiteto e militante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos do Distrito Federal (MTD-DF).
Crescimento urbano negligenciado
Para Liza Andrade, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), os riscos ambientais no Sol Nascente estão relacionados com um crescimento urbano negligenciado por uma política de Estado subserviente ao setor privado.
Ela considera uma contradição que, no DF, existam aproximadamente um milhão e 180 mil domicílios construídos, porém, desse total, quase 150 mil estão desocupados, o que representa um aumento expressivo comparado ao Censo 2010. “O levantamento mais recente do DF, cruzado com informações da Pesquisa Distrital por Amostra de Dados, indicou que um total de 102.984 domicílios é o déficit habitacional do DF. A conta não fecha. Não adianta falarmos em restauração ambiental e habitação social sem mexer com os empresários”.
“O que está havendo no DF hoje é uma produção de ‘monocultura da cidade’, que só sabe construir prédios sem atenção alguma para o ecossistema e sem considerar a produção e consumo de alimentos. Quase metade da vegetação do cerrado já foi destruída para dar lugar aos prédios e as plantações originais estão sendo dizimadas”, afirma Liza Andrade.
Para a professora, isso gera um grave processo de gentrificação que expulsa moradores de bairros submetidos à especulação imobiliária e os coloca em áreas de perigo geográfico num momento em que a própria urbanização gera modificações degradantes no clima, no solo e nos recursos hídricos. Em contraposição a essa realidade política, deveria existir em todas as cidades do Distrito Federal áreas de interesse social, isso evitaria essas ocupações.
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Edição: Flávia Quirino