Distrito Federal

inconstitucional

GDF apresenta punições para grevistas e especialista avalia que intenção é intimidar servidores públicos

Ofício circular da PGDF estabelece corte de ponto e outras penalidades mesmo em greves consideradas legais

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Documento, enviado em setembro deste ano, mostra que, em razão das diversas greves em curso no Distrito Federal - Divulgação/Sinpro-DF

A Procuradoria-geral do Distrito Federal (PGDF) emitiu um ofício circular para secretários, administradores regionais e demais gestores públicos que aponta uma série de punições para servidores e servidoras públicos grevistas do DF. Na avaliação de Larissa Rodrigues, advogada trabalhista e sindical, mestre em direito do trabalho, o documento tem uma dimensão política no sentido de coibir e intimidar o movimento grevista.

O documento foi enviado em setembro deste ano para os gestores. Como justificativa, a PGDF, informa, no ofício, que ele foi criado "em razão das diversas greves em curso no Distrito Federal". Como isso, as orientações garantem que os gestores públicos cumpram as leis relacionadas ao regime jurídico da greve, evitar danos aos recursos públicos e assegurar a continuidade dos serviços. O ofício também destaca que as punições são automáticas e devem ser aplicadas desde o início das paralisações.

A advogada explica que a interpretação realizada pela procuradoria restringe o direito de greve, que está previsto na Constituição Federal. “Essa primeira dimensão política indica que o documento foi construído para orientar a adoção de medidas que coíbam e restrinjam o direito fundamental de greve, assegurado constitucionalmente à classe trabalhadora”, diz Larissa.

Para o Sindicato dos Professores e Professoras do DF (Sinpro), as instruções, encaminhadas a secretários, administradores regionais e demais gestores públicos via circular PGDF estão na contramão da democracia. “Ao orientar, inclusive formalmente, punição aos servidores e às servidoras que fazem uso de um direito constitucional, Ibaneis agride frontalmente o Estado democrático e mostra que o governo não respeita a participação ativa e o controle social por parte dos cidadãos”, avalia o diretor do Sinpro Cleber Soares.

O deputado distrital Gabriel Magno (PT) afirma que o ofício demostra mais uma de falta de diálogo do governador Ibaneis Rocha (MDB), de democracia e respeito com as entidades sindicais. “Ele [Ibaneis] foi eleito prometendo um monte de coisa para os trabalhadores e não cumpriu nada disso. Então, esse governo que trata tão mal os servidores públicos, como demonstram as crises que existem em praticamente todas as áreas, desde a educação até a assistência social, apresenta um documento gravíssimo, que tenta criminalizar a organização dos trabalhadores e trabalhadoras. É lamentável e nós vamos combater essa postura em todas as instâncias possíveis.”

Greves legais punidas

O documento estabelece punições caso a greve seja considerada lícita, isto é, legal, sendo uma delas o corte de ponto. No ofício, é estabelecido que “o servidor que aderir à greve não faz jus à remuneração pelos dias não trabalhados”. "Para nós, isso já é um indício claro da intenção de restringir, coibir e intimidar os servidores públicos distritais que, unidos, estão reivindicando suas pautas por meio de movimentos sindicais", destaca a Larissa Rodrigues.

Como argumento, a orientação traz o Tema 531 do Supremo Tribunal Federal (STF), que apresenta que os servidores públicos que aderem à greve devem ter seus salários descontados pelos dias não trabalhados. Porém, o tribunal abriu uma exceção para greves que ocorrem em razão de uma ação ou omissão ilícita do Poder Público, como atrasos salariais ou descumprimento de direitos dos servidores. Nesses casos, o desconto pode não ser aplicado.

Larissa aponta que o Governo do Distrito Federal (GDF) e a Procuradoria-geral aproveitam da ausência de uma norma específica sobre o direito de greve no serviço público e da decisão do STF no Tema 531 e ignoram a possibilidade de editar uma normativa. "Ao invés de estimular o acordo, o diálogo e o consenso, a procuradoria do DF, ao emitir essas orientações, age de maneira muito dura e restritiva em relação a um direito constitucionalmente consagrado e assegurado à classe trabalhadora”, explica.

O ofício também aponta a penalidade de interrupção do prazo para aquisição da licença-servidor, ou seja, benefício que permite aos servidores efetivos se afastar do serviço por um período de três meses a cada cinco anos de exercício. O documento estabelece que a contagem do prazo para aquisição da licença-servidor é interrompida quando o servidor, durante período aquisitivo, licenciar-se ou afastar-se do cargo sem remuneração.

“A adesão à greve, mesmo que considerada lícita, configura afastamento sem remuneração (art., 7º, Lei 7,783/1989, e Tema 531 do STF). Em razão disso, o prazo para aquisição da licença-servidor deve ser interrompido para os servidores que participarem da greve”.

Além disso, a postergação do adicional por tempo de serviço também pode ser afetada pela orientação, mesmo em caso de greves lícitas.

“Greve abusiva”

Conforme as orientações, em caso de greves que sejam judicialmente reconhecidas como abusiva, os gestores podem aplicar as infrações de abandono de cargo e inassiduidade habitual. O documento ainda finaliza dizendo que é “fundamental que os gestores públicos do Distrito Federal, em todos os níveis, estejam atentos para implementar, desde o início das greves, as medidas acima mencionadas. A adoção tempestiva dessas providências constitui principal proteção do gestor frente à atuação dos órgãos de fiscalização.”

"Caso a greve seja considerada abusiva ou ilícita, os servidores ficam sujeitos a responder processos administrativos disciplinares. Isso já indica uma tentativa clara de intimidar os servidores, com a possibilidade de responderem por abandono de cargo, o que pode resultar em demissão do serviço público. Nessa lógica, impõe-se a apuração de responsabilidade e de infração disciplinar ao servidor que aderir à greve."

Greves e paralisações no DF

Em 2024, diversos setores paralisaram suas atividades no Distrito Federal. Desde setembro, os enfermeiros do serviço público do DF estão em estado de greve para reivindicar isonomia salarial e reestruturação da carreira. O presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Jorge Henrique de Sousa, relatou que a luta representa “justiça para a categoria, pois eles são os profissionais da Secretaria de Saúde com os menores vencimentos entre as carreiras de ensino superior”.

Ainda na Saúde, os médicos e médicas do DF também estiveram em greve este ano. No dia 27 de setembro, a categoria decidiu por suspender o movimento grevista. Segundo o SindMédico-DF, há uma sobrecarga e o colapso do sistema de saúde. Atualmente, 962.494 solicitações pendentes para cirurgias, exames e consultas no Sistema de Regulação (Sisreg), o que representa aproximadamente 30% da população do DF.

Na Educação, docentes e estudantes da Universidade do Distrito Federal também se organizam para reivindicar uma instituição democrática, acessível e de excelência. Segundo o Sindicato dos Docentes da UnDF (SindUnDF), a paralisação geral que ocorreu no dia 3 de setembro foi resultado de um longo processo de tentativas frustradas de negociação com a reitoria da UnDF. 

Em âmbito nacional, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse) registrou 1.132 greves, em 2023, que contabilizaram 42 mil horas paradas no Brasil. Os trabalhadores do funcionalismo público promoveram mais da metade (51%) dessas mobilizações – o que correspondeu a 65% das horas paradas. Desse total, 456 greves reivindicaram por reajuste salarial; 302 por piso salarial; 246 por pagamento de salários em atraso; 237 por condições de trabalho; 208, alimentação; 197, melhoria dos serviços públicos; e 166 pela elaboração de Plano de Cargos e Salários (PCS).

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Edição: Márcia Silva