Distrito Federal

Greve na saúde

Lutar não é crime: Isonomia salarial para enfermeiros já!

Enfermeiros são os profissionais que possuem menores salários dentre as carreiras de ensino superior da SES

Brasil de Fato | Brasília (DF) | |
Enfermeiros da rede pública de saúde no Distrito Federal mantêm o estado de greve na busca por igualdade salarial. - Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

Há mais de 10 anos, os enfermeiros travam uma importante luta por reconhecimento e valorização de seu trabalho no âmbito da saúde pública do Distrito Federal. Em 2024, esta luta ganhou um novo capítulo, com a campanha dos enfermeiros pela isonomia salarial entre as carreiras de ensino superior da Secretaria de Saúde (SES-DF). Muitos não devem saber, mas os enfermeiros são os profissionais que possuem os menores salários dentre as carreiras de ensino superior da SES-DF.

A atual campanha chama atenção para a produtividade dos enfermeiros, justificada pela incorporação das práticas avançadas destes profissionais no âmbito da saúde pública do DF. As mudanças no perfil epidemiológico, os novos determinantes da saúde e as novas tecnologias, fizeram com que a categoria avançasse sobre a compreensão do seu papel na saúde pública e na definição do escopo de práticas na rede assistencial. Este novo cenário proporcionou o aumento da resolutividade dos serviços e democratizou o acesso da população à assistência em saúde no DF.

:: Enfermeiros da rede pública do DF continuam em estado de greve na luta por isonomia salarial ::

No ano de 2023, por exemplo, os enfermeiros lideraram a assistência em saúde no DF. Com quase 2 milhões de atendimentos realizados no SUS, estes profissionais foram responsáveis por 55% dos atendimentos na Atenção Primária em Saúde. As enfermeiras obstetras realizaram mais de 6 mil partos naturais no SUS e, na assistência ao pré-natal, os enfermeiros fizeram mais de 110 mil atendimentos a gestantes. Além disso, estes profissionais também proporcionaram um aumento de 40% no número de inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU) em todo o DF, garantindo às mulheres o direito a um método contraceptivo de longa permanência de forma gratuita no SUS.

Sem reconhecimento

É sabido, nesse mesmo contexto, que os enfermeiros enfrentaram bravamente uma pandemia, arriscando suas vidas para salvar a população e que, em caráter permanente, vêm enfrentando uma série de outras epidemias, frutos de crises climáticas, ambientais e sociais. Porém, infelizmente, o Governo do Distrito Federal (GDF) não destinou palmas, nem reconhecimento e muito menos valorização para esses profissionais. Ao invés de tratamento isonômico, o que o GDF tem ofertado é perseguição e criminalização à categoria.

Logo no início da campanha de Isonomia Salarial, quando da primeira paralisação da categoria, marcada para o dia 28 de agosto, o Governo do DF requereu à justiça, liminarmente, uma declaração de abusividade da paralisação, determinando a manutenção dos postos de trabalho e o funcionamento das unidades, sob pena de multa de R$ 300 mil, em caso de descumprimento. Adicionalmente, solicitou multa diária de R$ 20 mil pessoalmente ao presidente do sindicato.

Além disso, o GDF, através da Procuradoria Geral do DF (PGDF), expediu ofício circular com orientações sobre os efeitos funcionais automáticos de greve, tais como, cobrança de multa para o sindicato, corte de ponto, interrupção do prazo para aquisição da licença-servidor, postergação do adicional por tempo de serviço e ameaça de instauração de sindicância ou processo disciplinar, em uma clara tentativa de intimidação e coação dos servidores.

Em decisão “preventiva”, a justiça declarou a ilegalidade do movimento de enfermeiros, antes mesmo de ter acontecido. A cobrança de vultuosas multas ao sindicato, em última instância, além de ser uma prática antissindical, é um ataque direto à categoria, já que os sindicatos são instrumentos de mobilização permanente autofinanciados, ou seja, suas ações são patrocinadas pela contribuição dos próprios trabalhadores, pois não possuem outra fonte de recursos. Atacar as finanças do sindicato, como primeiro recurso, é uma forma de sufocar os enfermeiros e impedi-los de realizarem suas reivindicações.

Se por um lado a justiça cobra multa do sindicato com o intuito de manter os serviços essenciais para a população, por outro, não há nenhuma garantia de diálogo entre o governo e a categoria, muito menos proteção ao trabalhador, exposto a péssimas condições de trabalho e ao processo contínuo de adoecimento. O diálogo aberto com as categorias da saúde é também uma forma de protegê-los, já que são expostos a situações extremas no trabalho. A situação ainda é mais dramática quando se fala de uma categoria feminina (85%).

Luta por justiça

Na Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF), por exemplo, existem aproximadamente 4 mil enfermeiros (com atual déficit de mil enfermeiros) que, em sua maioria, são mulheres, mães, arrimos de família, que sofrem diariamente com o peso da dupla ou tripla jornada de trabalho. São mulheres que historicamente não tiveram o trabalho reconhecido pela sociedade e que sofrem com baixos salários, mesmo desenvolvendo atividades tão importantes para a população.

A categoria de enfermagem, hoje, é a que apresenta os maiores índices de acidente de trabalho, e é que mais sofre com a violência física, verbal e psicológica no trabalho em saúde. Enfermeiros e enfermeiras são os que apresentam maiores taxas de absenteísmo entre os profissionais da SES-DF, refletindo o grau de exploração e as péssimas condições de trabalho as quais estes profissionais são submetidos.

Nesse sentido, a luta por isonomia salarial é uma luta por justiça. Expressa a necessidade de reduzir o sofrimento e de valorizar profissionais que prestam assistência à população em todos os níveis de atenção à saúde: UTIs, unidades básicas de saúde, salas de vacina, prontos socorros, SAMU, UPAs, centros cirúrgicos, etc. Ademais, a criação de uma carreira única no SUS é tema de todas as conferências de saúde e uma bandeira histórica dos trabalhadores e trabalhadoras.

Por fim, é evidente a importância do profissional enfermeiro na ampliação do acesso, na prevenção/promoção à saúde, e no desenvolvimento de um SUS mais resolutivo com práticas inovadoras e novas tecnologias em saúde. Faz-se necessário, contudo, que a prática deste profissional seja valorizada pelos governos, sob o risco de desintegrá-lo da assistência em saúde.

Lutar não é crime!

O direito de greve é um direito constitucional!

Isonomia Salarial já!

*Jorge Henrique de Sousa é presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiro-DF) desde 2023. Enfermeiro assistencial licenciado para cumprir mandato classista pela Secretaria de Saúde do DF, graduado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e mestre em Políticas Públicas de Saúde pela Escola Fiocruz de Governo. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Rafaela Ferreira