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Fome ainda é um problema no Brasil

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Pesquisa realizada pela Rede Penssan mostrou que número de domicílios com moradores passando fome saltou de 9% para 15,5% em 2020 - Agência Brasil/Arquivo
Dia Mundial da Alimentação é um momento oportuno para refletir sobre fome e insegurança alimentar

O Dia Mundial da Alimentação é celebrado anualmente no 16 de outubro, data na qual em 1945 foi criada a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). É um momento oportuno para refletirmos sobre questões relevantes a respeito da fome, da desnutrição e da insegurança alimentar e nutricional de uma maneira geral.

E como está o Brasil?

Os dados mais recentes do IBGE revelam que entre 2004 e 2023, a insegurança alimentar grave caiu de 6,9% dos domicílios para 4,1%, uma queda de 41%. O que as estatísticas oficiais não mostram, porque o governo Bolsonaro se negou a fazer pesquisas nessa área, é que entre 2017 e 2022 houve um expressivo aumento da fome, ao que tudo indica, deve ter mais do que triplicado.

Com efeito, pesquisa realizada pela Rede Penssan, com apoio de organizações da sociedade civil, mostrou que o número de domicílios com moradores passando fome saltou de 9% (19,1 milhões de pessoas), em 2020, para 15,5% (33,1 milhões de pessoas) em 2021. Foram 14 milhões de novos brasileiros/as em situação de fome em pouco mais de um ano.

O que estes dados apontam?

A evolução da insegurança alimentar grave nos últimos anos expressa a centralidade do papel do Estado no enfrentamento desse problema. Ainda que esforços tenham sido iniciados antes de 2003, os governos Lula I, II e Dilma Rousseff aprofundaram e implementaram, de forma articulada e coordenada, políticas públicas de promoção da segurança alimentar e nutricional. Tais esforços resultaram na expressiva queda do indicador até alcançar um patamar baixo em 2013, de 3,2%, o que levou as Nações Unidas a considerar que o Brasil tinha saído oficialmente do Mapa da Fome da FAO.

Contudo, entre 2016 e 2022, os governos Temer e Bolsonaro desmontaram as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. É verdade que nesse período o país e o mundo passaram pela pandemia da Covid-19 e suas consequências foram devastadoras nas economias – nacional e internacional –, provocando recessões e empobrecimento. Mas, poderia ter sido muito menos dramático se a população brasileira não tivesse tão desamparada pelo governo federal.

A prova da importância da atuação do Estado é que a retomada pelo governo Lula III das políticas de segurança alimentar e nutricional possibilitaram retirar milhões de pessoas da fome em apenas um ano. O problema ainda não está resolvido, mas o país voltou para o trilho correto.

Qual a receita brasileira para debelar a fome?

A estratégia é conhecida e elogiada internacionalmente pelos seus resultados positivos. Partindo do entendimento de que se trata de problema que possui múltiplas causas, seu enfrentamento requer uma abordagem intersetorial, que articule políticas de transferência de renda (como, o Bolsa Família, o Bolsa Verde e o Benefício de Prestação Continuada), com políticas de distribuição de alimentos (como, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, a distribuição de cestas básicas em situações emergenciais e o apoio a iniciativas locais como cozinhas comunitárias ou solidárias e restaurantes populares).

Além de garantir renda e alimentos, é preciso fortalecer a agricultura familiar e agroecológica, levando em conta as especificidades de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, com ações de acesso à terra e territórios, crédito subsidiado, fomento, assistência técnica e garantia de preços mínimos, entre outras.

A dimensão nutricional é essencial, não somente para combater a desnutrição, especialmente a infantil, e as faltas de vitaminas essenciais à vida, mas, também, para assegurar a oferta de alimentos saudáveis, regulando a indústria, desde o combate aos agrotóxicos até os produtos ultraprocessados.

O sucesso da estratégia está ancorado na participação social como mecanismo de incorporação das demandas e necessidades da população, especialmente daquelas pessoas mais impactadas pela insegurança alimentar e nutricional.

Quais são os desafios?

Não será possível acabar com a fome no Brasil sem enfrentar o racismo e o patriarcado. Os dados do IBGE revelam que o quadro de insegurança alimentar grave é pior para mulheres e pessoas negras. Entre esses grupos da população, é mais latente a situação em que pessoas não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência.

Segundo o levantamento, a fome atingiu 75% das famílias chefiadas por pessoas negras quando na população total essa proporção é de 57%. E mais, entre os brancos esse percentual era de 23%, três vezes menos. Entre os domicílios em situação de insegurança alimentar grave, 59% eram chefiados por mulheres, proporção maior do que aquela observada em lares liderados por mulheres de uma forma geral (52%).

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*Nathalie Beghin é do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Rafaela Ferreira