Em meio ao coro “a universidade precisa transicionar, cotas trans já”, a Universidade de Brasília (UnB) aprovou, nesta quinta-feira (17), a implementação de cotas para pessoas trans ingressarem na graduação. A minuta foi aprovada, com 39 votos favoráveis, durante 674ª reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UnB.
A resolução da universidade estabelece a reserva de 2% das vagas em todas as modalidades de ingresso na graduação para pessoas trans, travestis, mulheres trans, homens trans, transmasculinos ou pessoas não binárias. Além da autodeclaração, as pessoas candidatas terão que se submeter a procedimentos de heteroidentificação. O documento estabelece ainda que deverão ser elaboradas políticas específicas de permanência estudantil para pessoas trans.
Kaleb Giulia Salgado, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e formado em pedagogia pela UnB, destacou, durante a reunião, que as cotas trans também são medidas de segurança. Ele aponta que a população trans precisa ter a certeza de que não estará sozinha, mas, sim, juntos para fazer pesquisa, ciência e “transicionar a universidade.”
“Entrar nessa universidade e sobreviver ao que a gente passa não é fácil. Antes de tudo, é importante dizer que precisamos entrar nessa universidade, precisamos ocupar. Precisamos entrar e ver nos corredores os nossos pares. Preciso entrar no banheiro, e se eu correr um risco de vida, sei que vão ter pessoas para me ajudar”, disse Kaleb. "As cotas vão ser também uma medida de segurança", defendeu.
Atualmente, quatro universidades federais brasileiras implementaram cotas para pessoas trans: Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Já na UnB, até então, havia cotas para pessoas trans e travestis apenas em programas de pós-graduação. Na instituição, são, aproximadamente, 90 programas, sendo a ação presente na Faculdades de Direito (FD); Comunicação (FAC), na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão Pública (Face) e nos institutos de Artes (IdA) e Psicologia (IP).
Apenas 0,2% dos discentes de Instituições Federais de Ensino Superior se declararam pessoas trans, segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultura dos (as) graduandos (as) de 2018. Já a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revela que mais de 70% das travestis e mulheres trans brasileiras não concluem o Ensino Médio por serem evadidas das escolas por motivações transfóbicas.
“Esse exemplo que estamos dando aqui hoje na Universidade de Brasília também é acompanhado em outras universidades. Então, que a gente consiga transicionar as universidades de todo o nosso país. Que a gente consiga ver pessoas trans entrando e ingressando, que possamos ver pessoas trans professoras, técnicas, na bibliografia e como referências obrigatórias”, afirmou Maktus Fabiano, estudante de história e um dos diretores do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Implementação
O Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa (Copeaa) fica responsável por propor os procedimentos relativos à heteroidentificação de candidatas e candidatos trans, que serão homologados pelo Cepe, bem como receber e certificar que denúncias de descumprimento das ações sejam apuradas. Além das cotas, a resolução estabelece a obrigação da instituição de estabelecer políticas de inclusão e permanência para o público-alvo.
Após a aprovação da implementação das cotas, será constituída uma comissão para ampliação da Copeaa e uma comissão para atender às bancas necessárias para as cotas trans. “Temos uma resolução que se debruçou em como se constitui as bancas, quais serão os critérios, metodologias e procedimentos, além de como está sendo a prática em outras universidades”, aponta o vice-reitor e presidente do Cepe, Enrique Huelva.
A minuta estabelece quatro artigos no total. Para o decano de Ensino de Graduação, Diêgo Madureira, é preciso adotar medidas que não permitam o uso indevido e nem argumentos de fluidez de gênero que se deu especificamente no período de seleção. “As cotas devem ser garantidoras de direitos a pessoas que passam por preconceitos e têm vulnerabilidade social em função de suas características”, aponta.
Na reunião, também foi estabelecida indicações de alterações no documento. Uma delas é no artigo 3º, que estabelece que “deverão ser elaboradas políticas específicas de permanência estudantil para pessoas trans aprovadas nesta modalidade”. Para Madureira, o trecho deve ser: "pessoas aprovadas nesta modalidade serão automaticamente incluídas no cadastro de assistência estudantil e deverão dispor de políticas institucionais especificas de permanência.”
Histórico
Desde 2017, a UnB garante o uso do nome social às pessoas trans e travestis. Além disso, a UnB aprovou, em 2021, uma resolução que reserva 2% das vagas de estágio para esse público. A Universidade de Brasília também vem trabalhando com a implementação de cotas para pessoas trans e travestis em programas de pós-graduação, já presentes em unidades como nas faculdades de Direito (FD) e Comunicação (FAC), na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão Pública (Face) e nos institutos de Artes (IdA) e Psicologia (IP).
Em 2020, a UnB instituiu o Programa de Atenção à Diversidade (PADiv) destinado a estudantes de graduação da UnB, pertencentes a segmentos socialmente vulneráveis, em virtude das especificidades de gênero, raça, etnia, origem e orientação sexual. Ainda, por meio da Coordenação LGBTQIA+ da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a Universidade busca promover os direitos das pessoas LGBT.
Já em 2023, a coordenação realizou cerca de 200 atendimentos de membros da comunidade universitária em situação de vulnerabilidade psicossocial, em sua maioria discentes, que trouxeram questões referentes a violências lgbtfóbicas no âmbito familiar com repercussão no rendimento acadêmico. A partir das demandas apresentadas, foram realizados encaminhamentos, quando pertinente, para a rede de atenção interna e/ou externa.
Na votação, Maktus ainda destacou que a UnB fez história. “Como eu sou estudante de história, sempre penso que ela é algo que acontece no passado sem interlocução com o presente. Mas aqui, a gente provou que a luta e força do movimento estudantil é capaz de transformar aquilo que está posto”, comemorou o estudante.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::
Edição: Flávia Quirino