Apesar de ter um índice de segurança alimentar acima da média nacional e forte produção agrícola, o Distrito Federal ainda abriga 128 mil pessoas com fome, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em abril deste ano.
Para entender os principais desafios que o DF enfrenta para garantir alimentação saudável e de qualidade para todas as pessoas, o Brasil de Fato DF conversou com Abilio Vinicius Barbosa, membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do DF (Consea-DF). Barbosa é engenheiro agrônomo, atua na WWF Brasil e compõe a Comissão de Agroecologia e Produção Orgânica do DF.
De acordo com o conselheiro, o DF tem tudo para ser a capital da alimentação agroecológica do país, mas falta vontade política.
A expansão de cozinhas solidárias e restaurantes comunitários é uma das prioridades do Plano Distrital de Segurança Alimentar, atualmente em construção. Barbosa aponta que há uma desarticulação entre as secretarias do GDF que impede a eficácia de programas de combate à insegurança alimentar no DF, como o Cartão Prato Cheio e a Cesta Emergencial.
Confira a entrevista completa de Abilio Vinicius Barbosa ao Brasil de Fato DF
Brasil de Fato DF – Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em abril deste ano com base nos dados do último trimestre de 2023, embora 76,5,% dos domicílios particulares do DF estejam em segurança alimentar, índice acima da média nacional, 47 mil domicílios, ou 128 mil pessoas, ainda convivem com a insegurança alimentar grave. O que esses dados mostram sobre a situação alimentar do DF? É possível dizer que há bolsões de pobreza, em que a fome prevalece, evidenciando a desigualdade social da capital do país?
Abílio Vinicius Barbosa – Quando da construção da cidade, Brasília é pensada para um número de população em torno de 600 mil pessoas. E hoje são 3 milhões. A cidade cresceu muito e a população mais pobre ficou apartada do Plano Piloto, a parte mais central da cidade. Há toda uma precariedade para conseguir trabalho e chegar ao lugar onde está a maior quantidade de empregos, que é no Plano. Há metrô, por exemplo, pra parte sul, mas não há metrô para parte norte.
A dificuldade de transporte é muito grande. O custo de vida é um dos maiores do Brasil, está entre os cinco maiores. Acaba sobrando pouco dinheiro para se alimentar. Muitas pessoas desempregadas, subempregadas. É a maior taxa de desemprego do Centro-Oeste. O número de [pessoas em] insegurança alimentar também é o maior da região.
A capital do Brasil revela duas faces: uma renda alta – a média de renda é bastante superior à média Nacional – mas muito concentrada. Temos uma das maiores favelas do Brasil na região do Sol Nascente. O contraste entre a opulência e a insegurança alimentar, a fome, a miséria é muito nítido aqui.
Quais são os principais desafios do DF para garantir segurança alimentar e nutricional para a população?
A gente tem desafios e oportunidades. O Distrito Federal é essencialmente agrícola, é uma região agrícola muito forte e muito pujante, que inclusive exporta alimentos para fora. Exporta grãos, maracujá, pimentão. Mas, ao mesmo tempo, depende também de alimentos oriundos de fora.
Poderíamos ter uma política mais forte de produção agroecológica, orgânica, dos alimentos locais, e isso ser priorizado dentro dos espaços de mercados institucionais, do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]. Isso precisa ser melhorado, aperfeiçoado e melhor monitorado. Está acima dos 30% estabelecidos pela Lei 11947 de 2009? Está. Mas esse produto é local? É agroecológico, é orgânico?
Houve um aumento agora, a partir da lei do ano passado, das cozinhas comunitárias, e ampliação dos restaurantes comunitários. O governo está investindo nisso, mas a gente sabe que pode ampliar e ampliando pode ter ainda mais os alimentos vindos do próprio DF, da própria agricultura familiar, e eles serem agroecológicos e orgânicos.
Queremos acabar com a fome, mas não com alimentos ocos, vazios, ultraprocessados. Tem que ser um alimento de verdade, alimentos frescos, naturais, orgânicos, agroecológicos, produzidos inclusive pelas comunidades e pelos agricultores daqui, potencializando também agricultura urbana.
Programas como o Cartão Prato Cheio e da Cesta Emergencial são eficazes para o combate à insegurança alimentar no DF? Quais outras estratégias e medidas o Consea-DF tem recomendado ao GDF para garantir alimentação saudável para a população local?
Vemos que falta alguma coisa de política de monitoramento, de avaliação. Porque as políticas existem. Eu acho que é mais um problema de fragmentação e de não conversa [entre as secretarias], porque às vezes a gente vê que algumas famílias têm acesso a todas as políticas e outras que às vezes são mais necessitadas não têm.
Isso porque algumas famílias têm maior acesso ao celular, um filho que entende de comunicação, de digital, de entrar e ir atrás. Com essa questão da informática, da digitalização, a pessoa vulnerável, às vezes, não tem esse tempo e não tem esse conhecimento de acesso. Então tem que ser uma política muito mais ativa, de busca dessa pessoa, do que de esperar que ela venha.
Se existem várias políticas, tanto federais como estaduais, e a fome permanece, então, talvez, o que falta é uma busca ativa dessas pessoas. Os mecanismos atuais não conseguem chegar. Tem que se pensar se é com a saúde, com educação, se é com outras parcerias, com outras secretarias e outros órgãos e entidades da sociedade civil que conseguiremos chegar às pessoas que precisam.
Ainda são, no Brasil, 8,4 milhões de pessoas com fome. Por mais que tenha caído de 33 milhões no início do governo [Lula] para 8,4 milhões, ainda é muita gente. 8 milhões de pessoas é maior que a população de muitos países.
Quais são as principais demandas e necessidades que o Consea-DF levantou até agora para o Plano Distrital de Segurança Alimentar que está em construção?
No grupo de trabalho (GT) de monitoramento dessas políticas, a gente vê que falta muito essa questão de ter mais dados, dados mais robustos de por quê essa insegurança alimentar prevalece, mesmo tendo as políticas.
A questão dos equipamentos socioassistenciais, os bancos de alimentos, as cozinhas comunitárias, restaurantes comunitários, a gente tem vontade de expandir cada vez mais. Isso também é uma das nossas prioridades.
O DF tem tudo para ser a capital da alimentação agroecológica e orgânica do país. Têm agricultores, têm assentamentos, é um lugar pequeno em comparação com outros. Tem tudo para colocar um outdoor e dizer: “aqui 100% da alimentação escolar é orgânica, aqui 100% da alimentação vem da agricultura familiar”. Mas, para isso, tem que ter as políticas funcionando sem fragmentação. Isso tem que ser uma diretriz do próprio governo. A sociedade civil, via Consea e outros espaços, está ajudando. É algo possível. Agora para acontecer, precisa ter aquilo que se chama vontade política.
O Consea é uma forma da sociedade civil organizada participar da construção das políticas de alimentação. Qual a importância da participação popular nessa construção?
O Consea tem uma importância fundamental e histórica. O conselho sempre foi uma das bandeiras principais da sociedade na luta contra a fome, esse flagelo que nos domina há muitos e muitos anos. Como que um país dessa dimensão gigantesca, com terras e terras mais férteis, com sol, com chuva, tem uma população tão grande passando fome?
O Consea é um espaço de resistência da sociedade para vencer esse projeto. E a gente conseguiu, a gente saiu do mapa da fome. Só que infelizmente a gente voltou. Temos que sair de novo e não voltar mais. De novo, reforço, de 33 milhões baixou para 8,4. Parabéns, salto gigantesco. Mas ainda são 8,4 milhões de pessoas com fome, em um país que ninguém deveria passar fome.
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Edição: Flávia Quirino