No Distrito Federal, local em que o planejamento da mobilidade urbana é essencialmente pensado para o deslocamento de carro, as mulheres negras são as que mais utilizam o transporte público para ir ao trabalho (45,5%). As relações raciais impactam não só a forma como as pessoas transitam pela cidade, mas também a própria estruturação do sistema de transportes no Brasil.
É o que demonstrou o antropólogo, urbanista e militante do Movimento Passe Livre do Distrito Federal e Entorno, Paíque Duques Santarém, em sua tese de doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) que agora se tornou curso e está com inscrições abertas.
“A mobilidade urbana é influenciada historicamente pelas relações raciais do país. O racismo é um elemento que constitui a mobilidade urbana”, explicou o antropólogo ao Brasil de Fato DF.
Segundo Santarém, o curso “Mobilidade Racista, Antirracista e Negra – Transportes e Relações Raciais” surgiu do desejo de popularizar o debate da tese, que leva o mesmo título, e construir outras pesquisas conjuntas sobre o tema.
Ele destaca que desde o período pós-abolição a mobilidade é instrumentalizada como um elemento de controle social e que há uma relação direta entre o empresariado da mobilidade urbana e as relações raciais no Brasil.
Isso fica especialmente evidente no caso de Brasília. “A cidade foi montada a partir de uma segregação racial muito evidente no espaço. As pessoas que vêm construir [Brasília] são jogadas para fora do centro da cidade. E a cidade foi construída para que praticamente só a população branca habitasse o Plano Piloto”, detalhou o antropólogo.
Embora Brasília tenha nascido várias gerações após a abolição da escravidão, com um projeto arquitetônico baseado no discurso de extirpar a colonialidade, Santarém afirma que não foi isso que se concretizou.
“A mobilidade urbana aqui no DF ao invés de superar a segregação racista, ao contrário, ela torna completa a ideia racista do começo do século 20 de construir uma cidade em que a população negra estivesse quase completamente dominada e afastada da circulação pelos espaços brancos, porque você quase não consegue ir a pé de um território negro pro Plano Piloto. É muito difícil”, detalhou.
A principal tese do trabalho de Santarém é que o transporte coletivo funciona tal qual o transporte de cargas, mantendo a concepção escravista, em que o passageiro não é uma pessoa, mas, sim, uma carga que gera lucro.
“No DF, as empresas que começaram a fazer o transporte do cimento, das serragens, de insumos para construir a capital, de repente começaram a fazer uma parte da viagem com transporte de mercadoria, e outra parte da viagem, o mesmo caminhão, transportando pessoas. As empresas de transporte de cargas no DF se transformam em empresas de transporte coletivo”, destacou o doutor em urbanismo.
Curso está com inscrições abertas
O curso “Mobilidade Racista, Antirracista e Negra – Transporte e Relações Raciais” será ofertado em aulas online, com metódos de pedagogia popular, de forma que a dinâmica seja acessível a diferentes públicos.
Serão duas aulas de quatro horas, com aula expositiva seguida de debates. Seu conteúdo é baseado na tese de doutorado homônima defendida em julho de 2024 no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.
Além da análise estatística das desigualdades raciais atualmente presentes na mobilidade urbana, o curso propõe fazer uma leitura histórica da construção do racismo no campo dos transportes, desde o tráfico escravista.
Também será abordada a forma como as revoltas do transporte público no Brasil estão vinculadas às lutas da população negra. Por fim, será apresentado o conceito de “Mobilidade Negra”, um vínculo ancestral entre a circulação negra hoje e as concepções africanas e da diáspora.
O curso será ofertado em diferentes dias e horários, para possibilitar que mais pessoas participem. Além disso, há diferente modalidades de investimento e bolsas. Confira mais detalhes no formulário de inscrição.
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Edição: Rafaela Ferreira