Distrito Federal

Direito à moradia

Vila Cobra Coral realiza ato cultural no fim de semana para resistir à desocupação em Brasília

Evento reúne debates e apresentações artísticas em apoio à resistência de famílias e preservação cultural

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
A vila consolidou-se como um centro cultural, palco de expressões populares que preservam e promovem tradições brasileiras e cerratenses - Foto: Vila Cultural 813 Sul/redes sociais

Um ato de arte e política na sexta-feira (29) e no sábado (30) acontecerá em apoio ao direito de habitação dos moradores da Vila Cultural Cobra Coral, ocupação que se mantém há mais de 40 anos localizada próxima à embaixada da China, na quadra 813 da L4 Sul. A população local, entidades culturais e movimentos sociais promoverão um com atividades gratuitas, como atrações musicais, grafite e atividades ambientais, abertas ao público.

O vilarejo, reconhecido por seu valor histórico e cultural, foi incluído no Plano Diretor de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), mas enfrenta ameaça de remoção de mais de 100 famílias pelo Governo do Distrito Federal (GDF).

Para fortalecer a luta dos moradores, o Comitê de Defesa da Vila Cultural Cobra Coral convidam todos a assinarem o abaixo-assinado em apoio à permanência da comunidade e preservação de seus valores tradicionais.

Com raízes históricas que remontam à construção de Brasília, a Vila serviu de pouso para os candangos vindos de todos os cantos do país. Na década de 1970, a vila consolidou-se como um centro cultural, palco de expressões populares que preservam e promovem tradições brasileiras e cerratenses, abrigando iniciativas como o Terreiro Pai Joaquim de Aruanda, o grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, além do Espaço Inventado, do Projeto Waldir Azevedo e da Casa da Árvore.

Apesar dos desafios, a comunidade promove sustentabilidade com coleta seletiva e revitalização de áreas verdes, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e sociedade civil, destacando-se como ocupação sustentável, de inclusão social e cultural no contexto urbano.

Na sexta-feira, as atividades começam no Espaço Inventado, com o lançamento do livro Casa Encantada, de Renato Baruq, seguido por uma roda de Capoeira Angola conduzida pela Comunidade de Capoeira Formigueiro de Angola.

No sábado, as ações continuam com um aulão aberto de percussão no Projeto Waldir Azevedo, terapias alternativas no Terreiro Pai Joaquim de Aruanda, e o ensaio da Orquestra Alada, promovido pelo grupo Seu Estrelo. À noite, a Casa da Árvore recebe uma programação diversificada com palestra, debate e apresentação artística, enquanto a Capela São Raimundo Nonato realiza uma missa especial para a comunidade.


Foto: Vila Cultural 813 Sul

Ameaça de desocupação

A ação do GDF tem apoio da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente (Prodema), vinculado ao Ministério Público do DF. O argumento para desmantelar a comunidade se refere ao Parque Ecológico Asa Sul, constituído em 2003, instalado em 2010 e reclassificado como Parque Ecológico em 2019. Mesmo com o fato de que a Vila Cobra Coral já estava na área cerca de vinte anos antes do parque, foi deliberadamente excluída dos diálogos de elaboração do Plano de Manejo do parque, aprovado em 2018, que identificou impactos ambientais na área, resultantes de intervenções externas à comunidade.

Segundo os moradores, visitas de agentes públicos foram realizadas em setembro e outubro deste ano, sem que fosse dada clareza sobre os motivos exatos da desocupação. “A falta de transparência é alarmante. O governo alega que nós moramos dentro da poligonal do Parque Asa Sul, sendo que o parque foi criado décadas depois de estarmos morando aqui, sem qualquer diálogo conosco", ressaltou o morador Sérgio Murilo Araújo Silva, que reside na vila há mais de 30 anos.

A professora e moradora Ludiana Thaís avalia que “a remoção da Vila como algo ilegítimo e tendencioso. Inclusive, PPCUB foi assinado em outubro e a princípio pensávamos que isso iria nos favorecer, uma vez que havia a previsão de um estudo como patrimônio cultural imaterial”.

Ela também reforça a falta de participação popular para lidar junto às instituições. “O processo de transformação do parque em ecológico não contemplou a participação da comunidade, incluindo entidades religiosas e culturais. Análises detalhadas do plano de manejo do parque revelaram irregularidades significativas, incluindo a participação de representantes com interesses privados na desocupação”, afirma.

Thaís também destaca que avalia que existe “leniência do GDF em relação ao lote 100, em que se localiza o Colégio Eleva, um dos principais responsáveis pela degradação ambiental do Parque”. A professora também destaca que “não foi esclarecido o motivo para a demolição das residências dos moradores mais antigos, considerando que as autoridades citam novas invasões como justificativa, ignorando a importância cultural e histórica da comunidade”.

Em resposta à ação do Estado, propõem em nota enviada ao GDF, a regularização do território e "o reconhecimento formal da Vila Cultural como uma 'Comunidade de Interesse Cultural e Ambiental', que harmonize a presença dos moradores com os objetivos de preservação do Parque" e "estabelecer um comitê consultivo com representantes da Vila Cultural, IBRAM e MPDFT para criar diretrizes que permitam uma convivência sustentável entre os moradores e o ambiente".

Eles defendem a revisão do Plano de Manejo do Parque Ecológico da Asa Sul, argumentando que este apresenta inconsistências tanto legais quanto práticas. Eles ressaltam que, por serem ocupações anteriores à criação do Parque, deveriam ter sido excluídos da poligonal, como reconhecido pelo próprio plano, que, no entanto, os trata como "ocupações irregulares". Além disso, destacam que a ausência de atualizações no plano, conforme exige a Instrução Normativa nº 36/2020 do IBRAM, compromete a eficiência da gestão ambiental e desconsidera mudanças urbanísticas e sociais, incluindo impactos significativos como o do lote 100.

A comunidade também critica a falta de transparência no processo de aprovação do plano, que, segundo eles, "contraria os princípios de publicidade e isonomia" por não ter passado por um processo licitatório, como previsto pela Lei de Licitações. Para os moradores, "tais apontamentos e possíveis ilegalidades devem ser ponderados" para garantir não apenas a proteção das nascentes e do Cerrado, mas também os direitos das comunidades ameaçadas de remoção. A revisão do plano, segundo eles, seria um passo essencial para alinhar as diretrizes de conservação ambiental com a realidade local e para atender aos interesses de todas as partes envolvidas.


Cineclubismo para crianças na Vila Cultural Cobra Coral / Foto: Vila Cultural 813 Sul

Manifestações de apoio

A Defensoria Pública do Distrito Federal, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, também acompanha o caso. “Defendemos a busca por soluções conciliatórias antes do processo de desocupação da área, considerando a presença de famílias em situação de vulnerabilidade social que já residiam na área antes da implantação da unidade de conservação", declarou a instituição em nota.

A comunidade tem recebido apoio de parlamentares do Distrito Federal, que reconhecem a importância do espaço, como os deputados distritais Chico Vigilante (PT), Gabriel Magno (PT), Max Maciel (Psol), Fábio Felix (Psol) e a deputada federal Érika Kokay (PT). Além de artistas, produtores culturais, ambientalistas, arquitetos e urbanistas.

Segundo Magno, “esta comunidade é única. Não apenas abriga uma população diversificada, mas também representa um patrimônio vivo, onde várias manifestações culturais, espirituais e artísticas coexistem, enriquecendo a identidade cultural do DF”. Ele também destaca que a “a importância da vila vai além da mera ocupação; ela se traduz em uma rede de apoio e integração que fortalece o tecido social de Brasília”.


Programação do Ato Cultural / Foto: Vila Cultural 813 Sul/divulgação

Programação de Atividades

Sexta-feira - 29/11

19h às 20h - Espaço Inventado

Atividade: Lançamento do Livro Casa Encantada

Autor: Renato Baruq

20h às 22h - Espaço Inventado

Atividade: Roda de Capoeira Angola

Grupo: Comunidade de Capoeira Formigueiro de Angola

Sábado - 30/11

9h às 10h30 - Projeto Waldir Azevedo

Atividade: Aulão Aberto de Percussão

Local: Concentração em frente ao portão do condomínio

10h às 12h - Terreiro Pai Joaquim de Aruanda

Atividade: Atendimento Terapêutico

Terapia: Radiestesia do método Kovacsik, focado no tratamento de câncer

16h às 19h - Seu Estrelo
Atividade: Ensaio da Orquestra Alada

19h às 22h - Casa da Árvore

Palestra: Palhaçaria para Grupos Vulneráveis

Debate: Cultura e os Espaços Culturais da Vila | Mediação: Caco Marques 

Apresentação: Alunos de Palhaçaria

19h30 - Capela São Raimundo Nonato

Atividade: Missa para a Comunidade

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Edição: Flávia Quirino