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Atendimento Psicossocial esbarra em preconceito e estigmas sociais

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"Uma das principais barreiras para que as pessoas busquem tratamento é justamente o estigma; o mito da pessoa em sofrimento psíquico como perigosa." - Foto: Geovana Albuquerque/Arquivo Agência Saúde-DF
Mito da pessoa em sofrimento psíquico como perigosa, justificou muitas violências na história

Neste ano foi aprovada a construção do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III do Gama, o segundo CAPS do tipo III no Distrito Federal (DF). Os CAPS do tipo III são serviços essenciais para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), funcionando 24 horas e com leitos de acolhimento noturno, possibilitando internações breves, por exemplo, em casos de crise.

Atualmente, o único serviço de referência da região do Gama é o CAPS II, que fica no Instituto de Saúde Mental (ISM) no Riacho Fundo. Ele atende um público de mais de 645 mil habitantes (DISSAM, 2022), quando deveria atender no máximo 200 mil pessoas. Além disso, o CAPS II do Riacho Fundo é afastado do centro da cidade e é de difícil acesso para pessoas da própria Região Administrativa sede, fazendo com que usuários do Gama e da Santa Maria que dependem de transporte público precisem pegar até três ônibus para chegar ao serviço.

A chegada de novos serviços de assistência à saúde mental para integrar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) sempre expôs o estigma com que os usuários são vistos pela sociedade. A instalação destes serviços, ocasiona com que moradores e comerciantes das localidades próximas se mobilizem contra a instalação dos mesmos, com a justificativa que as pessoas que frequentam esses serviços são perigosas, que vai aumentar a criminalidade da região, que os usuários da RAPS são uma ameaça à comunidade. Por exemplo, reações desse tipo aconteceram neste ano com a instalação das Residências Terapêuticas no Paranoá.

Estigmas sociais

Somado ao estigma já existente, o CAPS III do Gama enfrenta outro problema que está ganhando muita visibilidade na região. A área designada já tinha previsão de instalação de algum equipamento público, até então não especificado. Porém, com os anos sem uso do espaço, a comunidade do local transformou o  espaço em uma área verde de parque, usada para lazer. Quando os moradores perceberam a movimentação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), empresa responsável pela construção do CAPS, para marcação e medição da área, os moradores começaram a se movimentar contra a construção do serviço alegando ser desmatamento da área verde.

Na tarde do sábado do dia 23 de novembro, os moradores abriram um processo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) pedindo o impedimento da construção do CAPS na região por “dano ambiental” (processo n° 0720754-56.2024.8.07.0018). A decisão do Tribunal foi de deliberar sobre o pedido dos moradores, solicitando um pronunciamento da Novacap e do Ministério Público sobre a obra. 

Caso seja identificada a impossibilidade da construção do CAPS na região, esta seria uma grande perda para a saúde mental do DF e para os moradores da região sul do DF, significando o não aproveitamento do processo de autorização da construção do serviço iniciado em 2019 e aprovado em 2024. Para mudar o local designado, é necessário iniciar um novo processo do zero. Vale recordar que outros locais sem vegetação já foram cogitados para essa construção, como a região no setor leste do Gama que foi ocupada por uma igreja evangélica. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recomendou em 2015 a desocupação do lote, mas o espaço não foi revertido para a administração pública.

Uma das principais barreiras para que as pessoas busquem tratamento é justamente o estigma; o mito da pessoa em sofrimento psíquico como perigosa.

Esse mito, aliás, é o que justificou muitas violências na história. Por isso, devemos ter ainda mais cuidado na reprodução dessas ideias, que não se sustentam na realidade. Caso tenhamos alguma dúvida, é só procurarmos sobre os próprios CAPS para vermos o trabalho que realizam e como a liberdade é terapêutica - para qualquer um(a).

A rivalidade CAPS versus parque é uma dicotomia que acentua a rejeição e estigma que usuários de serviços da saúde mental sofrem. Se não nesse lugar onde mais?

Para todo local que o CAPS for transferido, é possível que haja protestos de moradores falando que não querem aquelas pessoas ali, que não são contra o serviço, só querem que vá para outro lugar. E que outro lugar melhor para um serviço de atuação e assistência comunitária do que um espaço que a própria comunidade já se apropriou como espaço coletivo? Afinal, o CAPS é um serviço para e com a comunidade, e que em algum momento todos podem precisar.

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*Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (SMM-DF) é um grupo vinculado ao Instituto de Psicologia da UnB, que visa potencializar a militância no campo da saúde mental.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino