Distrito Federal

DESUMANIZAÇÃO

Relatório do Ministério Público revela superlotação em seis das sete unidades prisionais do DF

Construção de mais presídios é 'resposta fadada ao fracasso', avalia Frente Distrital de Desencarceramento

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Dados foram levantados em inspeções realizadas pelo Ministério Público do DF (MPDFT) de março a junho de 2024 - Foto: Rawpixel

Seis das sete unidades prisionais do Distrito Federal estão superlotadas. Isso significa que, nesses locais, o número de presos supera a capacidade máxima de acolhimento da instituição, resultando em condições de encarceramento inadequadas e insalubres. Cinco dessas unidades operam acima do limite crítico de densidade carcerária, ou seja, com mais de 137,5% de superlotação. 

Segundo a Frente Distrital pelo Desencarceramento (Desencarcera DF), os números são alarmantes. “A superlotação é um dos principais fatores de violação dos direitos humanos na prisão, pois desumaniza as pessoas ao negarem os direitos básicos”, afirmou ao Brasil de Fato DF o coletivo que luta pelas garantias das pessoas privadas de liberdade e contra o encerramento em massa no DF e à nível nacional. 

Os dados citados são da Nota Técnica nº 04/2024, publicada pelo Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em novembro deste ano. As informações foram coletadas durante inspeções temáticas realizadas pelo Nupri, entre março e junho de 2024.

De acordo com o documento, a atual população carcerária do DF é de 16.151 pessoas. O número, no entanto, abarca apenas as pessoas custodiadas nas celas físicas do sistema prisional. Quando se soma também os presos em monitoração eletrônica e aqueles em prisão domiciliar, esse número sobe para 28.506 pessoas, conforme aponta o Relatório de Informações Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), referente ao primeiro semestre de 2024.

O Anuário de Segurança Pública 2024, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com base em dados de 2023, já havia mostrado que o DF tem a maior taxa de encarceramento do país, com 1.011 pessoas privadas de liberdade – seja em celas, leitos ou domicílio – a cada 100 mil habitantes.

'Fadado ao fracasso'

A resposta dada pelos órgãos públicos ao problema da superlotação carcerária no DF tem sido no sentido de expandir o número de penitenciárias e de vagas no sistema prisional. Para o Desencarcera a solução, no entanto, não ataca a raiz do problema: as desigualdades sociais que levam ao encarceramento em massa.

“Esse modelo de resposta está fadado ao fracassado ciclo da violência institucional e institucionalizada”, avalia. “O sistema prisional, penal e securitário tem um alvo específico que são os corpos negros, encontrados em CEPs especificos que são as periferias, favelas e quebradas do país. São esses locais e essas pessoas o alvo e objeto dessas ‘políticas públicas’, que têm por objetivo apenas controlar a população em suas dimensões de raça e classe a partir de uma lógica de violência e dominação”, afirma o movimento.

O Ministério Público já recomendou ao Governo do Distrito Federal (GDF) a construção da Penitenciária do Distrito Federal III (PDF III), atualmente em obras e que está prevista para ser entregue no primeiro semestre de 2025, e de uma colônia penal industrial com 1 mil vagas para o regime semiaberto. 

Além disso, no primeiro deste ano, a Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape) transformou uma unidade de regime provisório, o Centro de Detenção Provisória I (CDP I), em uma unidade de regime fechado, denominada Penitenciária do Distrito Federal IV (PDF IV). O impacto dessa mudança foi avaliado no relatório publicado pelo Nupri/MPDFT. 

Segundo o Desencarcera DF, as prisões não devem ser a única resposta para a criminalidade e a violência. “Já está provado que as prisões não são capazes de produzir nenhum impacto na diminuição destes problemas, pelo contrário, contribuem para o acirramento e aprofundamento de crises”, defende o coletivo. 

“O que realmente impacta é promover condições de acesso à direitos como educação e trabalho, que como mostram as estatísticas eram as oportunidades que faltaram para as pessoas que estão lotando os sistemas prisionais no Brasil. Sair do sistema tendo terminado os estudos e com alguma profissão que realmente haja oferta de emprego no mercado de trabalho pode mudar a vida de muitas pessoas encarceradas e impactar nos índices de reincidência”, destaca.

Superlotação e violação de direitos

O sistema penitenciário do Distrito Federal é composto por sete unidades: Centro de Detenção Provisória (CDP), Centro de Internamento e Reeducação (CIR), Centro de Progressão Penitenciária (CPP), Penitenciária do DF I (PDF I), Penitenciária do DF II (PDF II), Penitenciária do DF IV (PDF IV), e Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF).

Destas, apenas a última não está superlotada, ou seja, o número de internas é compatível com a capacidade de vagas. Segundo o relatório do Ministério Público, a Penitenciária Feminina tem 574 presas e 914 vagas disponíveis, o que representa uma ocupação de 62,8%. Apesar disso, o órgão identificou que mesmo nesta unidade há duas alas superlotadas.

Já as unidades de regime fechado masculino (PDF I e PDF II) abrigavam mais que o dobro da capacidade permitida, operando com superlotação de 239% e 256%, respectivamente. Com a transformação do CDP II em PDF IV, feita com o objetivo de “mitigar a grave superlotação nas penitenciárias de regime fechado”, esses números tiveram uma redução, mas o cenário continua preocupante. Após a ativação, as densidades carcerárias das Penitenciárias I, II e IV são de 183%, 192% e 122%, respectivamente. 

O relatório apontou ainda que há uma série de vagas interditadas por questões administrativas, como falta de pessoal. “As vidas privadas de liberdade são, nesses termos, menos relevantes que as jornadas de trabalho dos policiais penais, e essa é mais uma das maneiras de punir, para além da pena”, pontua o Desencarcera DF. 

“As pessoas estão sendo submetidas a sessões de violências diversas, tanto em suas celas quanto nos pátios, a alimentação cada dia pior, e com a restrição do que pode ser levado pelas visitantes muitas pessoas tem reclamado de fome, a superlotação nas celas para garantir o melhor controle por parte dos policiais penais é uma medida cruel que deve ser levada à outras instâncias”, completa. 

Facções e separação entre presos

Todas as unidades penais visitadas pelo MPDFT informaram que há grupos ou facções criminosas em seus estabelecimentos. Os dados indicam a atuação de facções conhecidas nacionalmente, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), além de grupos locais, como o Comboio do Cão. Apenas a PDF I possui uma ala inteiramente destinada a integrantes das facções. 

Embora prevista na Lei de Execução Penal, apenas as unidades de regime provisório (CDP I e CDP II) realizam a separação entre pessoas privadas de liberdade em sua primeira passagem pelo sistema penitenciário e reincidentes.

A Frente Distrital pelo Desencarceramento destaca que a reincidência não pode, por si só, ser usada como critério para definir a periculosidade de uma pessoa ou sua influência sobre outros, mas a não separação entre presos primários e reincidentes dificulta a individualização da pena. 

“A primeira vez em um cárcere é uma experiência extremamente traumática. Além das péssimas condições de custódia já mencionadas, existem as questões de estigma e preconceito, que afetam especialmente as mulheres custodiadas, sendo portanto um fator de grave sofrimento mental”, afirma o movimento.

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Edição: Flávia Quirino