Um aumento de 446,67% marcou as estatísticas relacionadas à homotransfobia no Distrito Federal entre 2019 e 2023, como mostra a 2ª edição do Relatório dos Impactos da Criminalização da Homotransfobia no DF. No período, o número de casos registrados saltou de 15 para 82.
Os dados foram apresentados durante uma reunião extraordinária na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), nesta quinta-feira (05). A ocasião marcou os seis anos da criminalização da homotransfobia, além da apresentação do relatório, com dados produzidos pela Secretaria de Estado da Segurança Pública do Distrito Federal (SESP/DF) em parceria com a Polícia Civil.
Para Verônica da Silva, pedagoga e especialista em gestão pública, o aumento é alarmante, embora já fosse esperado que os registros cresceriam após a criminalização. "Isso ocorre pela conscientização da comunidade. Porém, a gente nota que ele segue crescendo e agora, cinco anos da criminalização, temos que pensar em estratégias para mitigar esses números", explica Verônica.
O evento desta quinta foi uma iniciativa do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos e o Grupo Estruturação - Grupo LGBT+ de Brasília em parceria com o gabinete do deputado distrital Fábio Felix (Psol). Também presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética da Casa, o parlamentar conta que a Comissão recebeu, em 2024, 43 denúncias relacionadas ao crime, que geralmente acontece em ambientes sociais.
"Nas últimas semanas, recebemos várias denúncias graves de homotransfobia, como no metrô e bares. Além da violência, podemos observar a reação do poder público. Em todos os casos tivemos a polícia ou os seguranças do metrô conduzindo para delegacia e as pessoas sendo presas em flagrante", diz o deputado.
Dados do relatório
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para definir o reconhecimento de atos de homofobia e transfobia como crime de injúria racial. Em 2019, a Corte já havia enquadrado a prática no crime de racismo.
Michel Platini, presidente do Grupo LGBT+ de Brasília e do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos (CentroDH), diz que o grupo Estruturação tem reivindicado que o poder público inclua essa população no mapa de violência do DF. "Isso é importante para que a gente entenda o nível de violência e fazer política pública para enfrentar essa violência.”
Além do aumento significativo no número de casos, o relatório destaca que crimes como injúria e ameaça continuam a ser os mais registrados, embora tenham mostrado leve redução em 2023. No entanto, a taxa de resolutividade dos casos, que considera inquéritos instaurados e soluções como indiciamento, segue baixa: apenas 14,5% para ameaças e 13,6% para injúrias.
A distribuição geográfica dos casos revela que Brasília (Plano Piloto) lidera os registros, com um aumento de 35 para 59 casos entre 2022 e 2023. Outras regiões administrativas, como Taguatinga e Ceilândia, também figuram entre as mais afetadas, refletindo o impacto populacional e a concentração urbana.
Na reunião, Verônica e Michel afirmam que o desafio agora é ter outros dados, como local da ocorrência do fato e a orientação sexual da vítima. “Alguns dados ainda não temos, como local da ocorrência de fato. Temos a Região Administrativa, mas não o local, além de orientação sexual, que são informações importantes para caraterização dessas vítimas', detalha Verônica.
Em relação ao perfil das vítimas, o relatório aponta que a maioria é composta por jovens adultos entre 18 e 30 anos, representando 305 casos em 2022 e 2023. Homens LGBTQIAPN+ continuam a ser as principais vítimas, somando 59% dos registros, enquanto a população parda aparece como a mais vulnerável, com 35% dos casos nos quais a raça foi informada.
Desafios e recomendações
Embora o relatório indique avanços institucionais, como a ampliação de canais de denúncia e o treinamento de agentes públicos, menos da metade dos casos de homotransfobia resulta na instauração de inquéritos, uma queda de 48% em 2022 para 46% em 2023. Além disso, a coleta de dados raciais e de gênero ainda apresenta lacunas significativas, limitando uma análise mais precisa
Para o deputado Fábio Felix, os dados não são bons, mas, sim, negativos. "Eles também refletem a consolidação de um entendimento. As pessoas têm mais coragem de denunciar e falar. A homotransfobia não, necessariamente, diminuiu ou aumentou os seus efeitos e consequências, mas, agora, as pessoas estão falando e denunciando. Temos mais registros de homotransfobia, resposta do poder público e protocolos claros de como isso deve acontecer", destaca o parlamentar.
Segundo documento, o aumento de 446% nos casos de homotransfobia no Distrito Federal é "alarmante" e coloca a capital federal diante de uma realidade "inaceitável". "Esse cenário evidencia o fracasso do poder público em implementar as recomendações fundamentais apontadas no último relatório. A baixa resolutividade dos casos e a queda na instauração de inquéritos demonstram uma clara negligência institucional", aponta o texto.
"Além disso, o perfil das vítimas expõe uma desigualdade estrutural que precisa ser enfrentada com urgência. Jovens negros, pardos e LGBTQIAPN+ continuam sendo os mais vulneráveis, um reflexo das interseções de opressão que ainda marcam a nossa sociedade. A ausência de campanhas educativas de larga escala e a incapacidade de fortalecer a formação dos servidores públicos para lidar com casos de LGBTfobia agravam ainda mais essa situação", destaca o documento.
Por fim, o relatório estabelece dez recomendações para a superação da violência contra a pessoa LGBTQIAPN+. Entre elas, a adequação dos formulários próprios para registro de boletins de ocorrências e outros disponíveis para registro de violência, com adequação dos termos.
Também destaca-se a necessidade de campanhas educativas de larga escala, a criação de campos específicos nos formulários de ocorrência para crimes de ódio e homotransfobia e a ampliação das políticas de formação para servidores públicos.
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Edição: Flávia Quirino