Uma marcha contra os casos de assédios relatados pelas professoras, técnicas e estudantes da Universidade de Brasília (UnB) foi realizada nesta sexta-feira (6). A manifestação teve como mote as denúncias sobre o professor de biologia Jaime Martins de Santana, que, em 2023, recebeu apenas 15 dias de suspensão do cargo após, segundo denúncia e apuração interna, ter beijado à força duas colegas de trabalho.
Para a docente do Instituto de Ciências Biológicas (IB) Cristiane Ferreira, o mote da marcha foi a denúncia envolvendo as professoras da unidade de Jaime de Santana. “Nossa marcha hoje é uma insatisfação que vem crescendo há um tempo. O caso foi só o ápice e, nesse movimento, verificamos que ele cresceu porque muitas pessoas se identificaram”, diz a professora. “Estamos lutando por uma universidade onde a gente possa vir e se sentir seguras no ambiente de trabalho”, completa.
A marcha iniciou no Bloco de Salas de Aula Sul (BSAS) e seguiu para o prédio da reitoria, onde a comissão da manifestação foi atendida pela reitora da UnB, Rozana Naves, que iniciou seu mandato há 14 dias. Na ocasião, ela informou que a reitoria está dando início às ações de acolhimento e preparação de equipes, tanto da vítima quanto o acolhimento das denúncias. “Também estamos preparando essas ações de capacitação de uma comissão permanente”, informou Rozana.
A reitora também afirmou que será feito um levantamento interno do número de processos de assédio moral, institucional e sexual que estão em tramitação no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), na Secretaria de Direitos Humanos e na ouvidoria. “Tratar esses dados é muito importante para que a gente consiga desenvolver ações direcionadas a cada grupo e consiga prevenir. A meta é mitigar as ocorrências de assédio".
Entenda o caso
O professor de biologia da Unb Jaime Martins de Santana, 62 anos, recebeu, em 2023, apenas 15 dias de suspensão do cargo após, segundo denúncia e apuração interna, ter beijado à força duas colegas de trabalho. No ano da denúncia, reitoria da instituição considerou que houve apenas uma “falta de urbanidade” e não acolheu a sugestão de demiti-lo.
A comissão responsável pelo processo administrativo disciplinar (PAD) aberto na UnB para apurar o caso concluiu que “o servidor […] praticou assédio sexual contra as denunciantes”, conforme documento ao qual a Agência Pública teve acesso. A comissão, formada por três professores, recomendou a demissão de Santana, que na época das denúncias era diretor do Instituto de Ciências Biológicas (IB).
Ainda na fase inicial da investigação, em janeiro de 2023, a coordenação do PAD também sugeriu o afastamento do professor de todas as suas atividades na universidade. Mas a então reitora da UnB Márcia Abrahão Moura decidiu afastá-lo apenas da direção do IB e “sem prejuízo da remuneração”. Ela argumentou, em documento, que seu objetivo era “evitar prejuízos aos estudantes, terceiros de boa-fé e à pesquisa e extensão da universidade”.
Outra recomendação da comissão foi que a reitoria comunicasse as denúncias ao Ministério Público (MP) para que fosse aberta uma apuração paralela, do ponto de vista criminal. A então reitora, cujo mandato expirou no dia 21 de novembro, optou por não acionar o MP. Moura justificou que isso poderia ser feito ao final da investigação – o que não ocorreu até o momento.
Segundo a reitora, Rozana Naves, a gestão também vai fazer uma nova consulta junto ao MP para saber se já ocorre um processo no órgão.
Para a técnica do Instituo de Biologia, Anabelle Gomes, a impunidade do caso foi um dos motes para a manifestação. “A gente viu professoras titulares não serem ouvidas. Foi um professor sendo impune frente ao que foi feito com professoras titulares. Então, como que outras professoras, técnicas e alunas vão ser encorajadas a denunciarem? Essa sensação de impunidade enfraquece todas as outras mulheres”.
Já a estudante de Biotecnologia, Mariana Jardim, aponta que ver as docentes serem negligenciadas pela reitoria causou um sentimento de revolta entre as discentes. “O sentimento geral é de muita raiva, tristeza e compaixão pela dor dessas mulheres que estão sofrendo com esse caso”, diz.
“O movimento teve origem com as técnicas e as professoras do Instituto de Ciências Biológicas que foi onde aconteceram os assédios e, logo em seguida, nós estudantes de uma se juntarmos a causa para fortalecer ela também.”
Ações para combater o assédio na UnB
Na ocasião, uma carta foi entregue à reitoria reivindicando defesa da prevenção e combate ao assédio na universidade. O documento apresenta que é essencial realizar um diagnóstico abrangente sobre o quadro atual de assédio moral e sexual na UnB. Segundo as mulheres que redigiram o documento, o diagnóstico vai permitir desenvolver ações preventivas que considerem as relações entre violência e as interseccionalidades de classe, gênero e raça.
“Só assim a Universidade será capaz de apresentar soluções coletivas que forneçam às mulheres estudantes, técnicas e professoras instrumentos eficazes, como mecanismos de acolhimento, mediação de conflitos, identificação e afastamento de situações de agressões. É imprescindível que, uma vez registrada a denúncia, exista um fluxo bem definido de ações que garantam a proteção das vítimas durante todo o processo de apuração e a punição do infrator”, mostra a carta.
Para a Cristiane, a carta mostra o sentimento das docentes, técnicas e estudantes em relação à Universidade e a forma que o processo contra Santana foi conduzido. “A carta é como a gente esperava que a reitoria tratasse o caso, qual a postura que a gente gostaria da gestão a partir daqui”, diz a docente.
O documento também lista sete ações prioritárias para combater o assédio na instituição. Entre eles, estão a revisão da resolução que transfere a responsabilidade de receber e analisar denúncias de assédio das Unidades Acadêmicas para uma instância central e independente, garantindo maior isenção e proteção às vítimas. Além disso, a carta também pede que seja garantido a responsabilização dos agressores por meio de processos administrativos e legais.
“A investigação é, inicialmente, conduzida primeiramente na unidade. Ou seja, vai totalmente de desencontro, já que não são pessoas preparadas e, às vezes, como aconteceu nesse caso, foi na própria direção da instituição que aconteceu o assédio”, explica Cristiane.
Também estão ações como melhoria da iluminação, fortalecimento dos canais de denúncia, reformas em banheiros, aumento da vigilância noturna, ações educativas permanentes.
Durante reunião com a reitora, foi feita a leitura da carta e levantada as possibilidades de ação imediata da reitoria na implementação das ações. “Muitas delas já estavam previstas no nosso programa e dialogam com as propostas prescritas na carta”, informou a reitora durante a manifestação.
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Edição: Flávia Quirino