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romper barreiras

É urgente ressignificar o debate sobre HIV/Aids a partir da perspectiva dos Direitos Humanos

Fim do preconceito passa, necessariamente, por uma comunicação transformadora, popular, ética e comprometida com o povo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Quando o HIV aparece na cultura popular, é frequentemente associado a histórias de sofrimento, isolamento e morte, reforçando estigmas" - Foto: Divulgação MS/Departamento DST, Aids

Destrutivo, ameaçador e brutal, o preconceito permanece como o maior obstáculo na luta contra o HIV/aids. Seu poder de destruição afasta inúmeras pessoas do tratamento, inviabiliza a testagem e impede que o tema seja debatido em rodas de conversa, escolas e outros espaços públicos. Esse silêncio adoece e mata.

Atualmente, 39,9 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo, mas cerca de 23% (9,3 milhões) ainda não acessam o tratamento. Isso é reflexo de políticas públicas que tratam o HIV/aids como uma responsabilidade individual, culpabilizando quem recebe o diagnóstico.

Essa abordagem não só perpetua o estigma, como também dificulta que o mundo alcance a meta de erradicar a epidemia como ameaça à saúde pública até 2030. Para ter uma ideia, em 2023, 630 mil pessoas morreram em decorrência de doenças oportunistas relacionadas à aids. Não eram apenas números, mas mães, pais, filhas, filhos, amigas e amigos. Pessoas com histórias, dignidade e sonhos interrompidos, muitas vezes sem terem a oportunidade de experimentar a vida plena que o tratamento adequado proporciona.

Desde o início da epidemia, na década de 1980, a aids foi envolvida por preconceito e desinformação. A comunicação desempenhou um papel central na construção do "fenômeno da aids" na opinião pública, moldando os impactos sociais do surgimento do vírus.

A mídia, em sua cobertura sensacionalista e moralista, ajudou a construir uma narrativa que associava o HIV à culpa, punição e promiscuidade.

Esses discursos alimentaram a exclusão social e legitimaram o distanciamento daqueles que recebiam o diagnóstico. Mesmo após 40 anos de avanços científicos, a aids continua sendo a "doença da culpa", carregando tabus e preconceitos profundos.

O HIV/aids permanece como algo que "os outros" devem temer. É como se o vírus nunca pudesse se aproximar da "minha família" ou "meus amigos". Esse distanciamento se reflete na ausência do tema em espaços cotidianos, como conversas familiares, filmes e novelas.

Quando o HIV aparece na cultura popular, é frequentemente associado a histórias de sofrimento, isolamento e morte, reforçando estigmas e perpetuando o desconhecimento. Pouco se fala sobre indetectável = intransmissível, sobre PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), PEP (Profilaxia Pós-Exposição) ou sobre gestação segura para pessoas que vivem com HIV, evidenciando como a comunicação ainda falha em seu papel de informar e educar.

Educação sexual é ferramenta fundamental

O moralismo conservador agrava ainda mais a situação. Temas essenciais, como a educação sexual nas escolas, são frequentemente bloqueados sob o pretexto de "proteger a inocência".

No entanto, uma educação sexual adequada é uma ferramenta fundamental para prevenir infecções sexualmente transmissíveis, gestações precoces e abusos. Não se trata de doutrinar crianças, mas de oferecer informações apropriadas para cada faixa etária, capacitando-as a proteger-se e compreender sua saúde de forma consciente e responsável.

O mundo já dispõe de ferramentas eficazes para prevenir novas infecções, tratar diagnósticos e oferecer vidas dignas às pessoas que vivem com HIV. Mas, enquanto o combate ao HIV/aids não for tratado como uma questão de direitos humanos, estaremos longe de erradicar a doença ou construir uma sociedade acolhedora. Isso exige uma comunicação democrática, baseada em igualdade e equidade, que forneça informações pertinentes, verdadeiras e acessíveis a todas e todos.

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Enquanto a comunicação ética e inclusiva permanecer privilégio das elites (de poucos), continuaremos enfrentando a sorofobia - preconceito contra pessoas que vivem com HIV/aids - em diversas esferas: no trabalho, na educação, nos lares e nas oportunidades. Essa discriminação se entrelaça com outras, como a LGBTfobia, o racismo e o machismo, formando um sistema de opressões legitimado por ideologias reacionárias que promovem um projeto de morte, e não de vida.

Pessoas que vivem com HIV/aids não são despesas para o Estado. São indivíduos com direito à dignidade, saúde e felicidade. Precisamos transformar o HIV/aids em um tema corriqueiro: assunto de conversas entre amigos e amigas, debates em escolas, conselhos familiares e cobertura jornalística responsável. Somente assim seremos capazes de alcançar as metas globais de erradicação da aids e construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva e justa.

Falar sobre HIV/aids exige romper as barreiras da hipocrisia e reconhecer que este é um tema que diz respeito a toda a sociedade.

É preciso desmantelar os véus do moralismo, derrubar muros, amplificar vozes, denunciar silenciamentos e lutar por mais direitos e acesso a uma saúde pública inovadora, eficiente, universal e inclusiva.

Não se trata apenas de prevenção e tratamento, mas da defesa de um direito humano fundamental. Sobre isso, não podemos recuar — é essencial avançar com coragem. O que importa é garantir que todas e todos vivam, e vivam bem.

*Henrique Cavalheiro é comunicador organizacional e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino