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2024: o ano que “poderia ter sido” para a saúde mental no DF?

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Luta antimanicomial no DF - Thamy Frisselli
As expectativas de 2024 não foram cumpridas e 2025 começará como mais um ano de luta

O ano de 2024 começou com boas expectativas para o campo da saúde mental do Distrito Federal (DF). A Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu o fechamento gradual dos hospitais de custódia - também conhecidos como manicômios judiciários - em todo território nacional.

No DF, chegavam notícias da abertura dos primeiros Serviços de Residências Terapêuticas (SRTs) e em maio entrava em funcionamento o Grupo de Trabalho (GT) para a discussão ampliada e proposição de um Plano de Ação para a desmobilização dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados no Distrito Federal (DF), isto é, finalmente ocorreria a construção de um plano para  fechamento do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), o manicômio público e ilegal do DF.

A resolução do CNJ continua em vigor. Contudo, tem sido alvo de uma série de adiamentos de prazos e dilatação de cronogramas a pedido dos estados, sendo também fortemente questionada e combatida por instituições historicamente contrárias à Reforma Psiquiátrica brasileira, como a Associação Brasileira de Psiquiatria e pelo próprio Conselho Federal de Medicina.

No caso do DF, temos a Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP), localizada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), que foi parcialmente interditada em fevereiro, com um processo de desinternação gradativa desde então. Apesar dos avanços, o processo tem sido marcado por inúmeras contradições e limites, muito em decorrência da reprodução dos estigmas sobre o louco e a loucura. Adicionamos também a composição pouco plural e participativa do Grupo de Trabalho Interinstitucional criado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), sem a devida participação da sociedade civil. 

As Residências Terapêuticas foram de fato inauguradas em agosto e outubro. Porém, com a contradição de serem geridas por uma empresa privada de homecare. Além disso, são somente duas até o momento, um número muito distante do necessário.

GT paralisado e sem plano de trabalho

Talvez ainda mais decepcionante seja o fim de ano do GT de desmobilização dos leitos psiquiátricos - e para o consequente fechamento do HSVP. Como contado aqui na época, o GT foi fruto da luta organizada e da mobilização social de militantes, usuários, coletivos, trabalhadores, gestores e residentes do Sistema Único de Saúde (SUS) e da saúde mental. Tomou materialidade com o Ministério Público oficiando a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) a responder sobre o descumprimento da Lei Distrital nº 975/1995, a qual fixava  prazo de quatro a partir de sua publicação para a extinção dos leitos psiquiátricos em hospitais e clínicas especializados no Distrito Federal, como é o caso do HSVP. Ou seja, questionando por que o GDF permitia que um manicômio funcionasse ilegalmente há 25 anos.

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Com uma composição representativa e diversa de funcionários do HSVP, gestores da secretaria de saúde, profissionais, técnicos e pesquisadores do  campo da  saúde mental e, como não poderia deixar de ser, usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do DF, o GT começou seus trabalhos, mantendo um ritmo constante de reuniões e discussões. Nelas, metas e estratégias foram debatidas e acordadas. Os debates foram abrangentes, como devem ser sobre tal tema, tratando-se não apenas dos leitos psiquiátricos especializados, mas de uma verdadeira reforma dos fluxos, serviços e práticas de gestão e cuidado da RAPS do DF. Ou seja, uma perspectiva de transformação na saúde mental do DF.

Previsto inicialmente para ser finalizado em outubro e seu plano de trabalho entregue ao MP e apresentado à população, o GT teve uma prorrogação de prazo. A partir dessa prorrogação, as reuniões tornaram-se mais escassas, outras agendas da SES-DF ganharam prioridade  e, agora no final do ano, não há mais previsão para a finalização do GT e muito menos a implementação do seu plano de trabalho. É justo reconhecer que foi a primeira gestão de Diretoria de Serviços de Saúde Mental do GDF a avançar tão profundamente no fechamento do São Vicente. Mas o trabalho necessita ser concluído.

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Importante ainda recordar que em agosto foi lançado tanto na Câmara Federal quanto na Distrital, um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que denuncia e comprova diversas ilegalidades e mesmo violações de direitos fundamentais  ocorridas dentro do HSVP e da Comunidade Terapêutica Salve a Si. Apesar de publicizado e debatido publicamente por movimentos da luta antimanicomial, inclusive a nível ministerial, nos Ministérios da Saúde e dos Direitos Humanos, até o momento nenhuma providência foi tomada sobre as recomendações do relatório para o HSVP.

Nessa discussão do relatório, destacaram-se duas ausências:

1) do Ministério Público, o mesmo que provocou o GDF a responder sobre a ilegalidade do HSVP, que, convidado, sequer compareceu à apresentação do relatório, como se o tema de violação de direitos em um hospital público não lhe fosse pertinente ou já tivesse esquecido do assunto; e

2) do Conselho de Saúde do DF que, apesar de ter tido o relatório apresentado em uma de suas reuniões ordinárias, ainda permanece em silêncio sobre HSVP, como se a violação de direitos humanos em um manicômio público - e ilegal - do DF não fosse de sua competência.

Se o plano de trabalho do referido GT não for concluído, ou o seu conteúdo não refletir as deliberações sobre o fechamento do HSVP, teremos uma grande derrota para a Reforma Psiquiátrica do DF, e uma vitória do campo manicomial. Soma-se a isso o avanço implacável das Comunidades Terapêuticas e suas práticas de violação de direitos humanos, contando com financiamento público tanto distrital quanto federal.

As expectativas de 2024 não foram cumpridas e 2025 começará como mais um ano de luta e disputas no campo da saúde mental. Contudo, ainda estamos aqui.

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*Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (SMM-DF) é um grupo vinculado ao Instituto de Psicologia da UnB, que visa potencializar a militância no campo da saúde mental.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino