Distrito Federal

luta antirracista

Movimento negro divulga carta de reivindicações em ato contra violência policial no DF

Aula pública aconteceu na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, nesta terça-feira (17)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Manifestação denunciou violências e reivindicou a obrigatoriedade do uso de câmeras de identificação pelos policiais militares. - Foto: BdF DF

Há cerca de um ano e meio Iza Oliveira conheceu o coletivo Mães pela Paz, onde encontrou forças para lutar por justiça para seu filho Lucas, jovem de 26 anos, morto em uma chacina em Luziânia, município do Entorno do Distrito Federal, em março de 2023. A suspeita é de que policiais militares tenham cometido o crime. O caso está sob investigação.

“Depois de meses de depressão, veio a luta. Entrei no grupo, me fortaleci ali e estou conseguindo vencer a dor, a tristeza e a depressão com a luta”, contou a mãe ao Brasil de Fato DF durante ato pelo fim da violência policial, realizado nesta terça-feira (17), na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília.

O local foi estrategicamente escolhido para que a aula pública promovida por organizações do movimento negro no Distrito Federal (DF) alcançasse um grande número de pessoas de diferentes localidades. 

“Estar aqui na Rodoviária é muito emblemático, porque é um espaço acessado por pessoas de todas as regiões administrativas, que vivenciam cotidianamente a violência policial em seus territórios. A forma como a abordagem policial acontece no Lago Sul é diferente, por exemplo, da que acontece em Brazlândia, Itapoã, Estrutural”, apontou Renata Parreira, coordenadora do Coletivo Candaces DF e Entorno.

O ato aconteceu em  meio a uma escalada da letalidade policial em todo país, que vem à tona por meio de imagens registradas tanto pela população, quanto por câmeras de segurança de estabelecimentos e de residências e câmeras corporais dos agentes. 

Lucas Barbosa, coordenador geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica - Seção Brasília (Sinasefe Brasília), destacou que embora mais casos tenham vindo à tona recentemente, a violência policial é constante, com abusos diários que acontecem nas periferias não só de São Paulo, que ganhou destaque nos noticiários, mas também em Brasília e todo o Brasil.

“Esse diálogo tem que ser feito na sociedade, porque parte dela normaliza e naturaliza a violência policial, que é histórica. O ato é fundamental para ampliar o diálogo e reafirmar que as vidas negras importam, que a carne mais barata do mercado não pode ser a carne negra”, defendeu Barbosa.

Aumento da violência policial

No DF, o aumento da violência policial tem sido uma preocupação constante. Entre janeiro e a segunda semana de dezembro deste ano, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Câmara Legislativa do DF (CLDF) recebeu 51 denúncias de violência policial. Em 2023, foram registradas 78 denúncias, um salto significativo em relação aos 40 casos denunciados em 2022, 28 em 2021 e 11 em 2020.

“Quem deveria proteger, na verdade, é quem agride. É absurdo a Polícia Militar, principalmente a Polícia Militar do DF, ser tão truculenta e tão reacionária. O que a PM faz com os trabalhadores ambulantes na Rodoviária do Plano Piloto é sujo, para não dizer algo pior”, relatou Jennifer Marques, militante do Levante Popular e estudante de Letras da Universidade de Brasília (UnB), que diz ter presenciado duas abordagens truculentas da polícia contra ambulantes enquanto se dirigia ao ato. 

Segundo dados obtidos pela articulação Pelas Vidas Negras do Distrito Federal e Entorno por meio de pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI), a corregedoria da PMDF investigou 133 casos de violência policial no ano de 2021, 142 no ano de 2022 e 162 em 2023, sendo que 87,43% das ocorrências foram de lesão corporal e morte.


Josefina Serra, advogada e militante do MNU / Foto: BdF DF

“Após a suposta abolição, a primeira coisa que fizeram foi armar o Estado para nos matar, através da polícia. E até hoje ela vem se sofisticando e continua matando, exterminando e executando. E quando o Estado mata um jovem negro, ele mata toda a sua família, porque todo mundo vai sofrer”, afirmou Josefina Serra, advogada e primeira Secretária de Estado de Igualdade Racial do Distrito Federal e primeira presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do DF.

Essa dor é sentida por Iza Oliveira e por inúmeras mães em todo o país. Enquanto algumas não conseguem denunciar os abusos sofridos por seus filhos, seja por questões de saúde ou por medo de represálias, Iza vê na luta por justiça e contra a violência policial o combustível para continuar a viver.


O filho de Iza Oliveira foi assassinado em março de 2023 e o caso segue sem solução. / Foto: BdF DF

“Enquanto algumas mães ficam acamadas, com medo de levar a público essa verdade, eles [os policiais] continuam matando”, disse. “Poder estar junto com esses jovens cheio de sonhos lutando contra a violência ,contra tanta maldade, me fortalece. Saber que nós podemos ser minoria, mas nós estamos lutando, não nos calamos, isso me fortalece muito e me dá motivo para querer viver, na certeza que nós podemos fazer o amanhã diferente”. 

Carta aos órgãos públicos do DF

Além da aula pública, militantes do movimento negro leram, durante o ato, uma carta de reivindicações pelo fim da letalidade policial no DF e Entorno. O documento será entregue à Defensoria Pública da União e a outros órgãos públicos do DF nesta quarta-feira (18). 

O texto destaca uma “profunda preocupação” com a atual situação da segurança no DF e Entorno. 

“Buscamos um compromisso institucional que garanta e promova a proteção dos direitos fundamentais da população e a responsabilização dos agentes de segurança. Com o objetivo de promover uma sociedade realmente segura, justa e digna para toda a população, solicitamos a implementação de medidas urgentes que garantam o respeito aos direitos fundamentais, a transparência nas ações e intervenções policiais e o apoio necessário às vítimas e familiares”, afirma trecho da carta.


Luiza Carvalho, do Coletivo Desencarcera DF, fez a leitura da carta com reivindicações pelo fim da violência policial. / Foto: BdF DF

O coletivo Pelas Vidas Negras DF informou que fará uma série de agendas institucionais para entrega da carta em órgãos públicos federais e distritais.

Uma das principais reivindicações é o uso de câmeras corporais por policiais civis, militares e penais do DF. A compra de bodycams pela PMDF, anunciada para este ano, ainda não foi realizada. 

A utilização das câmeras operacionais por policiais militares no Brasil tem demonstrado impacto positivo na diminuição da letalidade policial. De acordo com a articulação Pelas Vidas Negras DF, entre 2019 e 2022, os batalhões que adotaram os equipamentos de filmagem em São Paulo registraram uma redução de 76,2% nas mortes decorrentes de intervenções policiais, enquanto em Santa Catarina, entre 2018 e 2021, essa queda foi de 61,2%.

Guilherme Lemos, doutor em História pela UnB, destacou que um local de armazenamento das imagens gravadas pelas bodycams também precisa ser debatido. "Temos que não só pautar o debate em termos de a necessidade do uso da câmera, mas de como os dados da câmera devem ir para lugares seguros ,onde a própria polícia não tem acesso para poder burlar e, enfim, manipular, como as forças de segurança policial fazem quando burlam, forjam e criam situações em que pessoas são presas a partir de implantação de provas", defendeu.

“As câmeras de identificação são tecnologias que não apenas oferecem maior transparência nas operações policiais, mas também podem servir como um mecanismo de responsabilização, prevenindo abusos e garantindo que as ações dos agentes de segurança estejam sempre dentro da legalidade e do respeito aos direitos humanos e que sejam responsabilizados quando não estiverem”, destaca a carta. 

O documento também exige a criação de núcleos de atendimento às vítimas e familiares de vítimas de violência policial junto à Defensoria Pública do DF (DPDF), e o fortalecimento do monitoramento e da fiscalização de ações policiais no DF e Entorno.

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Edição: Flávia Quirino