Distrito Federal

Luta antimanicomial

Movimentos sociais se mobilizam para que PL sobre internação compulsória não seja aprovado no Senado

Projeto estabelece internações compulsórias de pessoas com transtornos mentais em cumprimento de penas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Fórum Revolucionário Antimanicomial realizou ato contra o Projeto de Lei (PL) 551/2024 no Congresso Nacional - Foto: Rafaela Ferreira/Brasil de Fato DF

Movimentos sociais da luta antimanicomial do Distrito Federal manifestaram, nesta terça-feira (18), para que o Projeto de Lei (PL) n.º 551/2024 não seja aprovado no Senado Federal. O PL, aprovado na última semana na Câmara dos Deputados, estabelece internações compulsórias de pessoas com transtornos mentais em cumprimento de penas e medida de segurança, alterando a Lei 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica brasileira.

O ato foi uma mobilização do Fórum de Luta Antimanicomial do DF e ocorreu no Anexo II da Câmara dos Deputados. Logo após, uma reunião técnica sobre a política de Saúde Mental foi realizada. Na ocasião, estiveram presentes a deputada federal Erika Kokay (PT), Sâmia Bonfim (Psol-SP), Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) e o deputado Glauber Braga (Psol-RJ).

“A internação compulsória é prevista na Reforma Psiquiátrica, mas em exceção e em casos muito específicos. Com esse PL, eles generalizam a internação compulsória e eles trabalham com o pânico social. Então, nós precisamos enfrentar essa discussão que se estabelece no Congresso Nacional”, destaca Erika Kokay, que defendeu uma atuação no Senado para impedir que haja aprovação da proposta.

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Ao Brasil de Fato DF, o deputado Glauber Braga destacou que é fundamental os movimentos sociais estarem presente discutindo “medidas reacionárias” aprovadas no Plenário da Câmara.

“O que os movimentos fazem agora se articulando e fazendo pressão politica sobre os representantes, nesse caso específico, sobre o Senado Federal, pode fazer toda a diferença para que essa matéria não avance também no Senado, gerando uma vergonha para o Brasil”.

Durante as intervenções, José Alves que atua no Movimento de Saúde Mental do DF, contou sua experiência durante internação compulsória. “A gente vivia em uma prisão, sem receber visita de ninguém. Todos os dias a gente apanhava, dos guardas inclusive”.


Fórum Revolucionário Antimanicomial do Distrito Federal junto de parlamentares durante ato / Foto: Rafaela Ferreira/Brasil de Fato DF

Estratégias de mobilização

Para a presidenta do Conselho Regional de Psicologia do DF (CRP-DF), Thessa Guimarães, a melhor estratégia é evitar pautar o PL no Senado. “O melhor seria se isso não chegasse a ser pautado no Senado. Mas se for, precisamos de um plano de ação preventivo para não sermos derrotados novamente, como aconteceu na Câmara. Nesse sentido, é importante estabelecer um ponto focal no Senado para apresentarmos textos de emendas restritivas aos projetos”, apontou.

Já o deputado Pastor Henrique Vieira explicou que ter o debate institucional é fundamental, mas para o ano que vem, é necessário levar o debate para a sociedade. "É preciso levar para os comitês, universidades, pesquisadores, militantes, usuários da rede, familiares. Tem uma parte da disputa que não é só na Câmara, onde a correlação é desfavorável. A disputa de concepção e valores é na sociedade”.

Para o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo Saúde Mental e Militância no DF, Pedro Costa, a reunião foi importante para traçar e estabelecer táticas de luta dentro e fora do Parlamento.

"Vamos continuar mostrando o quão problemático é o PL 1637/2019, na qual foi apensado o PL 551/2024. Além de falar como ele é inconstitucional, violando uma série de leis, tratados e convenções nacionais e internacionais que o Brasil é signatário. Essa articulação mostra que estamos mobilizados e esperamos que isso seja um estopim e um ponto de partida para reafirmarmos a importância do movimento da luta antimanicomial no Brasil", explicou Pedro.

O que é o PL 551/24?

No dia 12 de dezembro, foi aprovado, no Plenário da Câmara, o projeto de lei que altera a Lei n.º 10.216, mais conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. A proposta estabelece que as pessoas que forem condenadas ao cumprimento de pena ou de medida de segurança, acometidas de algum transtorno mental que, a critério médico, represente perigos para terceiros, serão internadas compulsoriamente. Agora, o projeto vai ao Senado para votação.

O PL é de autoria do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), que apensou a proposta ao PL 1637/2019, do deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), isto é, tramitação conjunta de proposições que tratam de assuntos iguais ou semelhantes. Na justificativa, Jordy critica a resolução definida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n.º 487, de 15 de fevereiro de 2023, normativo que definiu o fechamento dos manicômios judiciários, que está previsto na Política Antimanicomial do Poder Judiciário.

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Para o parlamentar, não há dúvidas de que as medidas de relaxamento prisional definidas pelo CNJ representam, na prática, “a colocação da população em um risco incalculável”. “As pessoas submetidas às penas restritivas da liberdade e a medidas de segurança, que estavam em tratamento nesses estabelecimentos, serão colocadas em liberdade e receberão a atenção à saúde na rede do Sistema Único de Saúde - SUS”, mostra o texto do projeto de lei.

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Carolina Lemos, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), observou que o projeto altera o Código Penal para prever medidas de internações longas para pessoas que estariam submetidas a medida de segurança. “Ela vai na contramão do que o Conselho Nacional de Justiça vem adotando enquanto uma política antimanicomial. Além de ir em contramão do próprio princípio do tratamento que não pode ter um tempo pré-determinado, o que já é um erro e é inconstitucional”, destacou.

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Edição: Flávia Quirino