Distrito Federal

DIREITO À MORADIA

Justiça do DF suspende ação de remoção e demolição da Vila Cultural Cobra Coral

Localizada no Parque Ecológico Asa Sul, vilarejo guarda tradições culturais; 'não somos usurpadores', afirma líder

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Vila Cobra Coral consolidou-se como um centro cultural na década de 70 e segue realizando trabalho de preservação de tradições cerratenses - Foto: Arquivo pessoal da Vila Cultural Cobra Coral

A Justiça do Distrito Federal decidiu suspender as operações de remoção e demolição que seriam realizadas pelo Governo do DF (GDF) na Vila Cultural Cobra Coral, localizada no Parque Ecológico da Asa Sul. A remoção do vilarejo, reconhecido por seu valor histórico, estava marcada para dia 14 de janeiro. Cerca de 100 famílias guardiãs de tradições culturais vivem no local. 

“Essa decisão simboliza mais um passo para dar legitimidade à nossa presença no local, mostrando para o GDF que nós não estamos lá como usurpadores. Estamos como moradores e como cidadãos, e estamos fazendo a nossa parte ecológica e social”, destacou Carlos Basílio, morador e líder comunitário da Vila. 

Na decisão proferida em caráter liminar nesta quarta-feira (8), o juiz Carlos Frederico Maroja reconheceu que, embora a Vila esteja localizada em um território ecologicamente relevante, que deve ser protegido, os moradores não podem ser removidos "de modo irresponsável e descomprometido com a vida e a dignidade das pessoas".

O juiz também destacou a relevância da produção cultural desenvolvida na Vila. Segundo o magistrado, a cultura também integra o conceito jurídico de meio ambiente, sendo “tão relevante” quanto.

Com raízes que remontam à construção de Brasília, a vila serviu de pouso para os candangos vindos de todos os cantos do país. Na década de 1970, consolidou-se como um centro cultural, palco de expressões populares que preservam e promovem tradições brasileiras e cerratenses, abrigando iniciativas como o Terreiro Pai Joaquim de Aruanda, o grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, além do Espaço Inventado, do Projeto Waldir Azevedo e da Casa da Árvore.


Capoeira de Angola dos metres formigueiro no Espaço Inventado na Vila Cultura Cobra Coral / Foto: Matheus Nascimento

“Não há notícia de elaboração de algum plano para o acolhimento seguro dessas pessoas pelo Distrito Federal, ou seja, a expectativa é que fiquem sujeitos à própria sorte após as remoções e demolições, provavelmente engrossando ainda mais a já elevadíssima e preocupante população em situação de rua nesta capital e estrangulando definitivamente as atividades culturais desenvolvidas pelas mesmas pessoas”, destaca trecho da decisão do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT).

Para Basílio, o Judiciário “teve a sensibilidade que o GDF não teve”. Os moradores da Cobra Coral tentam negociar com o executivo distrital, sem sucesso, há anos. 

A liminar foi expedida em resposta a uma ação civil pública impetrada pela Defensoria Pública do DF. “Não podemos permitir que essas famílias sejam retiradas de lá sem que haja um plano de acolhimento para elas. Isso só fará com que a situação de vulnerabilidade se agrave com o tempo”, afirmou Juliana Braga, defensora pública que atua no caso.

A decisão liminar determina que o GDF e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF (Ibram) não podem realizar operação de desocupação na área da Vila Cultural até que o caso passe pela Comissão de Soluções Fundiárias do TJDFT, que busca assegurar direitos humanos e soluções conciliatórias em conflitos fundiários. Tanto o Ibram quanto o GDF ainda podem recorrer da decisão à 2ª Instância do Tribunal de Justiça. 

Entenda o caso

Os moradores e produtores culturais ocupam a Vila Cobra Coral desde a década de 1970. O Parque Ecológico Asa Sul foi criado em 2003, portanto, quando a comunidade já estava lá.

Segundo Carlos Basílio, em 2018, os moradores foram chamados para participar do workshop do plano de manejo da área, mas as contribuições foram ignoradas quando o plano foi implementado em 2019.

"Após essa exclusão, fomos notificados sobre a remoção da área, mas recorremos em todas as instâncias possíveis. Durante a pandemia [da covid-19], a operação foi suspensa devido às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas em 2024 a ação foi retomada. Desde então, tentamos dialogar com autoridades", conta Basílio.


Atividade cultural promovida na Vila Cobra Coral / Foto: Arquivo pessoal da Vila Cultural Cobra Coral

A ação de remoção do GDF tem apoio da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente (Prodema), vinculado ao Ministério Público do DF. Segundo os moradores, visitas de agentes públicos foram realizadas em setembro e outubro deste ano, sem que fosse dada clareza sobre os motivos exatos da desocupação.

"A última reunião, no dia 10 de dezembro, culminou no agendamento da remoção para 14 de janeiro de 2024", diz Carlos.

A Defensoria Pública do Distrito Federal, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, também acompanha o caso. O órgão entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) para suspender a operação, destacando a importância histórica da vila e questionando a forma arbitrária de remoção.

Os argumentos apresentados pela Defensoria são de que é necessário cumprir as diretrizes de direitos humanos determinadas pelo STF em casos de remoção de pessoas, tanto em operações judiciais quanto administrativas. Além disso, a defensora pública e chefe do Núcleo de Direitos Humanos DP-DF, Amanda Fernandes, destaca na ação que é essencial estabelecer diálogo com a comunidade afetada e instituições competentes.

O vilarejo foi incluído no Plano Diretor de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), como patrimônio cultural, segundo o artigo 67. No PPCUB, há uma expressa atribuição à Vila Cultural Cobra Coral a indicação de preservação, assegurando a resolução de questões fundiárias e uma série de garantias relacionadas a investidas de desocupação.

A ação civil também aponta que seja garantido a proteção do patrimônio cultural, como determina o artigo do PPCUB. Também a necessidade de resguardar espaços de práticas religiosas, como consta na Constituição Federal, além da necessidade regularidade do Parque Ecológico da Asa Sul. 

Atualmente, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (Condepac), vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), está realizando um estudo sobre a vila, incluindo a produção de um documentário, como conta Carlos Basílio, representante da Comitiva da Vila Cultural Cobra Coral.

Uma medida de proteção também prevista na legislação de prevenção aprovada no PPCUB determina a obrigatoriedade da realização de um estudo para avaliar e reconhecer, ou não, a Vila. Para atender às exigências legais, o Condepac aprovou a criação de um grupo de trabalho (GT) no âmbito da Câmara Temática do Conjunto Urbanístico (CTCUB).

"São mais de duzentas famílias que vivem no local, que não foram ouvidas pelo GDF e sequer notificadas legalmente. A Vila Cultural Cobra Coral existe há mais de 40 anos. O governo não pode simplesmente chegar com o trator e destruir toda a tradição de grupos culturais, grupos religiosos de tradições de matriz africana e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade que moram ali”, defendeu o deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF), que tem realizado reuniões para evitar a ação de despejo.

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Edição: Rafaela Ferreira