Distrito Federal

Falta inclusão

Movimentos reagem à secretária do DF que atribuiu falta de vagas ao aumento de alunos autistas

Declaração de secretária de Educação reforça preconceitos, atitudes capacitistas e negligencia dever do Estado, diz nota

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Secretária de Educação do DF diz que 'nunca conseguimos colocar todos que pleiteiam vaga naquela escola, porque, quando você tem um aluno deficiente' - Foto: Reprodução/DFTV

Movimentos sociais do Distrito Federal publicaram uma nota de repúdio à fala da secretária de Educação do DF, Hélvia Paranaguá, que atribuiu a falta de vagas na rede pública de ensino ao aumento do número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na rede. Segundo os movimentos, a declaração reforça preconceitos e atitudes capacitistas, além de negligenciar a responsabilidade do Estado em planejar e garantir o acesso à educação para todas as crianças, conforme assegurado pela Constituição Federal.

A entrevista foi transmitada na última terça-feira (7) para o DFTV, no programa DF1. Na ocasião, a reportagem tratava sobre matrículas nas escolas de redes públicas e denuncias de pais que não conseguiram vagas nas escolas mais próximas de casa. Durante o programa, Hélvia afirmou que em “2019, nós [Secretaria de Educação do DF] tínhamos 3.600 TEAs. Hoje, são quase 12 mil. O que significa isso na inclusão? Redução da turma.”

“Por isso, que a gente nunca consegue colocar todo mundo que pleiteia vaga naquela escola, porque quando você tem um aluno deficiente, a turma automaticamente é reduzida. Então, a turma que teria 30 meninos, cai para 20 ou 10. Se tiver dois, cai para 15. Eu estou tendo que colocar drywall em sala de aula grande para colocar duas turmas de 15”, disse a secretária.

Em nota, assinada por 25 organizações, é destacado que Hélvia aponta estudantes com deficiência como “culpados” por falhas estruturais e de gestão educacional, o que é uma atitude “desumana” e “inaceitável”. Para Rosilene Costa, professora, doutora em Literatura, ativista do Movimento Autônomo de Mães (MAMA-DF) – um dos movimentos signatários – a fala da representante gera uma série de desconforto para os estudantes que estão na rede pública.

“O movimento autônomo de mães se preocupa muito com a fala da secretária e exige uma retratação, porque nós temos, hoje, em torno de 700 mães no nosso movimento, e, dessas 700 mães, mais de 200 de nós têm filhos com alguma deficiência, têm filhos neurodivergentes. Essa fala, ela vem, de uma forma grotesca, atacar nossas crianças, atacar nossos adolescentes, que já sofrem com preconceito e com a falta de inclusão dentro das escolas”, diz Rosilene.

A professora também afirma que a falta de planejamento, a ausência de gestão ou a má gestão da Secretaria de Educação são os responsáveis pela falta de vagas nas escolas. Apesar disso, segundo ela, a pasta tem atribuído a culpa aos estudantes autistas, que estão apenas exercendo direitos garantidos pela Constituição e por outras legislações.

“Essa postura demonstra uma tentativa de se eximir de culpa, além de ser capacitista e preconceituosa. Por isso, pedimos a retratação da secretária Hélder e cobramos que o governo do GDF apresente ações concretas para garantir a inclusão dos estudantes e melhorar a qualidade da Educação no Distrito Federal”, declara Rosilene.

A nota dos movimentos sociais também exige uma retratação pública por parte da secretária e ações concretas para a ampliação e melhoria da rede pública de ensino, com o fortalecimento de políticas educacionais inclusivas. Jéssica Borges, presidente da Associação Brasileira para ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), diz que a declaração da representante da pasta denuncia a incapacidade da gestão de entender as necessidades de estudantes com deficiência.

“Ao invés de pensar estratégias para melhorar o ensino, acesso e permanência desses estudantes dentro das escolas regulares do Distrito Federal, ela [secretária] reforça ainda mais a evasão escolar, segregação, exclusão e estereótipos, como se a culpa do problema que a gente tem dentro da escola hoje fossem dos estudantes com deficiência e dos estudantes autistas, especificamente”, argumenta Jéssica.

Andréa Medrado, membro da Frente Parlamentar em Defesa da Educação Inclusiva do DF, afirma que a fala da secretária vai na contramão de tudo que o movimento luta. “Ela promove o preconceito e coloca culpa que na verdade é do estado”, diz.

“Se a própria secretária de Educação do DF, que se autointitula como uma gestão que defende a inclusão e diz que todas as escolas públicas do Distrito Federal são inclusivas, como a secretária de Educação coloca a culpa da inoperância do Estado nas costas dos estudantes que têm o direito à educação? É, no mínimo, contraditório”, pontua também Andréa.

Procurados pela Brasil de Fato DF, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) afirma que, em entrevista concedida ao Jornal DFTV na segunda-feira (06), a secretária abordou, de forma “clara” e “fundamentada”, o aumento expressivo no número de matrículas de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos últimos cinco anos, conforme dados do Censo Escolar.

“A secretária explicou que a crescente demanda está sendo atendida com base nas normas de modulação de turmas da Secretaria de Educação, em conformidade com o Regimento da Rede Pública, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma a pasta.

Sindicato dos Professores no DF se posiciona 

O Sindicato dos Professores no DF (Sinpro-DF), também em nota, informa que o problema da superlotação de salas de aula do DF acontece há anos. A entidade afirma que, além do preconceito e do capacitismo da fala da secretária, existe uma série de questões embutidas e subentendidas na fala daquela que deveria ser a principal gestora da educação distrital.

“A primeira é que não há, por parte da SEE-DF, nenhum estudo, levantamento, planejamento ou projeção demográfica das demandas educacionais das regiões administrativas do Distrito Federal – que dirá de estudantes com necessidades educacionais especiais”, mostra nota.

Em seguida, o Sinpro-DF destaca que “contam-se nos dedos as escolas construídas no DF durante o governo Ibaneis/Celina”. “Já o aumento da densidade populacional em áreas como Paranoá e São Sebastião (para citar apenas dois exemplos) se conta às centenas, milhares. Nessas regiões do DF, a superlotação é ainda mais crônica”, destaca o sindicato.

“Mas a secretária não se preocupa em fazer essa conta. Em vez de lutar pela boa gestão de sua pasta, buscando a construção de mais escolas, contratação de mais professores efetivos e ampliação do número de turmas para fazer face à demanda populacional do Distrito Federal, opta por responsabilizar estudantes autistas pela própria incompetência”, mostra nota.

Leia a nota de repúdio dos movimentos na íntegra

Nós, movimentos sociais comprometidos com a justiça social e os direitos humanos, manifestamos nosso profundo repúdio à fala da Secretária de Educação do Distrito Federal, Hélvia Paranaguá, que atribuiu a falta de vagas na rede pública de ensino ao aumento do número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na rede.

Essa declaração não apenas reforça preconceitos e atitudes capacitistas, como também negligencia a responsabilidade do Estado em planejar e garantir o acesso à educação para todas as crianças, conforme assegurado pela Constituição Federal. Apontar estudantes com deficiência como “culpados” por falhas estruturais e de gestão educacional é uma atitude desumana e inaceitável.

É dever do poder público investir em inclusão, ampliar vagas, formar profissionais qualificados e assegurar condições dignas para que todas as crianças, independentemente de suas especificidades, tenham acesso ao direito fundamental à educação. A educação inclusiva é um pilar essencial para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, e qualquer discurso que culpe crianças com TEA ou outras deficiências pelas dificuldades do sistema educacional deve ser combatido com veemência.

Como representantes de diversos movimentos sociais, testemunhamos diariamente a luta de crianças, adolescentes e jovens para terem suas potencialidades reconhecidas e seus direitos respeitados. Não admitiremos que o Estado, por meio de seus representantes, desvie sua responsabilidade e promova discursos que segregam e marginalizam.

Exigimos uma retratação pública por parte da Secretária Hélvia Paranaguá e, mais do que isso, ações concretas para a ampliação e melhoria da rede pública de ensino, com o fortalecimento de políticas educacionais inclusivas. É urgente que o poder público assuma o compromisso de construir um sistema educacional que respeite as diversidades e garanta condições adequadas para o aprendizado de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Seguiremos unidos e mobilizados na luta por uma educação pública, inclusiva e de qualidade para todos e todas!

1. MAMA – Movimento Autônomo de Mães

2. ABRACI – Associação Brasileira de Autismo, Comportamento e Intervenção

3. ABRAÇA – Associação Brasileira para ação por Direitos das Pessoas Autistas

4. Frente Parlamentar em Defesa da Educação Inclusiva CLDF

5. Marcha Mundial das Mulheres - Distrito Federal

6. AMORA - Movimento de Moradia do DF e Entorno

7. UNMP - União Nacional por Moradia Popular DF

8. CUT-DF - Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal

9. Coletivo Filhas da Mãe

10. Associação Tereza de Benguela

11. União da Juventude Comunista

12. Autistas Brasil

13. Mulheres Poderosas - DF

14. Associação DFDown

15. PIPA - Pedagogia Inclusiva Pelas Artes

16. Rede Solidária de Apoio à Inclusão - Resai

17. Coletivo da Advocacia com Deficiência e Neurodivergentes

18. Instituto PAS - Gama

19. Coletivo Borda Luta

20. Instituto Ápice Down

21. MAR - Movimento Altiplano Rural

22. Associação Preserva Serrinha

23. Comitê Popular de Luta Rede Lular

24. SINPRO-DF

25. Movimento de Mulheres Olga Benário

 

Leia nota da SEE-DF na íntegra

A Secretaria de Educação do Distrito Federal vem a público repudiar veementemente a matéria divulgada pelo Sindicato dos Professores (SINPRO-DF) na tarde desta quinta-feira (09), que deturpou as declarações da secretária Hélvia Paranaguá.  

Em entrevista concedida ao Jornal DFTV na segunda-feira (06), a secretária abordou, de forma clara e fundamentada, o aumento expressivo no número de matrículas de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos últimos cinco anos, conforme dados do Censo Escolar. A secretária explicou que a crescente demanda está sendo atendida com base nas normas de modulação de turmas da Secretaria de Educação, em conformidade com o Regimento da Rede Pública, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Criança e do Adolescente.  

A fala da secretária Hélvia foi:  

"Em 2019, tínhamos 3.600 TEAs; hoje, são quase 12 mil. O que significa isso na inclusão? Redução da turma. Por isso, nunca conseguimos colocar todos que pleiteiam vaga naquela escola, porque, quando você tem um aluno deficiente, a turma automaticamente é reduzida. Uma turma que teria 30 alunos cai para 20, 19; se tiver 2, cai para 15. Estou tendo que colocar drywall em sala de aula grande para criar duas turmas de 15."  

A secretária ressaltou que as reduções de turmas são medidas adotadas para garantir atendimento inclusivo e personalizado, de acordo com os princípios que regem a educação especial: normalização, integração e individualização. Tais ações buscam assegurar o direito à educação com qualidade para todos os estudantes, especialmente aqueles com necessidades educacionais especiais.  

Distorcer tais declarações para insinuar que a secretária culpou os estudantes com TEA pela falta de vagas é um desserviço à comunidade escolar e demonstra desrespeito ao trabalho sério realizado pela Secretaria de Educação.  

A Secretaria reforça o compromisso com a inclusão, a transparência e o atendimento às demandas educacionais do Distrito Federal, sempre pautada na legislação vigente e em princípios éticos.

Leia a nota do Sinpro-DF na íntegra

Em entrevista ao DFTV nessa terça-feira (7/1), a secretária de Educação do Distrito Federal, Hélvia Paranaguá, apontou que o problema da falta de vagas na rede pública de ensino, entre outros fatores, é também do aumento do número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A secretária declarou que houve uma explosão no número de crianças diagnosticadas com TEA matriculadas na rede distrital, e que quanto mais estudantes com TEA, menores devem ser as turmas, por conta da lei de inclusão.

Para além do preconceito e do capacitismo da fala da secretária, que dá a entender que alunos com necessidades educacionais especiais são um empecilho, e não cidadãos e cidadãs com direito à educação garantido pela Constituição, existe uma série de questões embutidas e subentendidas na fala daquela que deveria ser a principal gestora da educação distrital.

A primeira é que não há, por parte da SEEDF, nenhum estudo, levantamento, planejamento ou projeção demográfica das demandas educacionais das regiões administrativas do Distrito Federal – que dirá de estudantes com necessidades educacionais especiais.

O Sinpro vem denunciando o problema da superlotação de salas de aula do DF há anos. Contam-se nos dedos as escolas construídas no DF durante o governo Ibaneis/Celina. Já o aumento da densidade populacional em áreas como Paranoá e São Sebastião (para citar apenas dois exemplos) se conta às centenas, milhares. Nessas regiões do DF, a superlotação é ainda mais crônica. Mas a secretária não se preocupa em fazer essa conta. Em vez de lutar pela boa gestão de sua pasta, buscando a construção de mais escolas, contratação de mais professores efetivos e ampliação do número de turmas para fazer face à demanda populacional do Distrito Federal, opta por responsabilizar estudantes autistas pela própria incompetência.

A segunda questão embutida reside no que, de acordo com a secretária, é uma “sala de aula ideal”. A se depreender do teor da reportagem do DFTV, Hélvia Paranaguá falava de salas de aula dos anos iniciais do ensino fundamental, período em que ocorre a alfabetização e letramento de estudantes. Para ela, uma sala com 30 alunos é “ideal”. A fala capacitista da secretária lembra a declaração de um ministro da Educação de Bolsonaro, que dizia que “crianças com deficiência são “de impossível convivência”, e que “atrapalham” o aprendizado dos demais colegas”. Além do capacitismo latente, a declaração lamentável e nefasta da secretária deixa evidente a falta de políticas de inclusão na educação do DF.

Por último, mas não menos importante, a fala da secretária joga na ribalta e transforma em “culpados” estudantes TEA, que são cidadãos e cidadãs em fase de formação e, como tais, têm o direito constitucional à educação laica, de qualidade socialmente referenciada e socialmente inclusiva. O artigo 205 da Constituição Federal é inquestionável ao determinar que Educação é direito de todos, e obrigação do Estado e da Família. Ao responsabilizar estudantes com necessidades educacionais especiais pela carência de vagas na rede pública, a secretária busca também apagar as próprias responsabilidades de gestão da SEEDF e do Palácio do Buriti.

Não se vislumbram, dentre as atribuições da Secretaria de Educação do Distrito Federal, a de mera espectadora do crescimento do número de alunos da rede pública. Dentre as obrigações concernentes à gestão educacional está a de planejar e projetar a ampliação da rede pública de ensino. Hélvia, Ibaneis e Celina vêm falhando miseravelmente com a educação do Distrito Federal.

Buscar terceirizar a culpa da péssima gestão da Educação para estudantes, com ou sem necessidades especiais é, além de negligência, covardia.

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Edição: Márcia Silva