O Governo do Distrito Federal (GDF) inicia o ano com propostas de privatizações na Saúde. Além da abertura de consulta pública para um projeto de concessão da rede de diagnóstico de imagens para a iniciativa privada, a Secretária de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) anunciou que vai privatizar a contratação de serviços de pediatria na rede pública de saúde do DF.
O aviso de abertura, publicado no Diário Oficial do DF (DODF), na última terça-feira (7), estabelece que a contratação de empresas especializadas será feita sem licitação. Os profissionais atuarão em regime de plantão e serão distribuídos para vários hospitais da rede pública. O valor estimado da contratação é de R$ 17,4 milhões.
Em nota, o Sindicado dos Médicos (SindMédico-DF) destaca que a medida é “altamente questionável” e revela a intenção do Governo do Distrito Federal (GDF) de “desmantelar os serviços públicos”. “Ou seja, em vez de fortalecer o sistema público de saúde, prefere, novamente, a terceirização”, aponta nota do presidente da entidade, Gutemberg Fialho.
Segundo a pasta, com a contratação, os novos pediatras passarão a atender nos hospitais regionais do Guará (HRGu), Ceilândia (HRC), Brazlândia (HRBz), Taguatinga (HRT), Sobradinho (HRS), Planaltina (HRPL), Região Leste (HRL) e Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib).
O sindicato alerta que, em julho do ano passado, o déficit de pediatras na rede pública era de 170 profissionais. Naquele momento, havia 441 pediatras ativos no quadro da secretaria. Hoje, 425 pediatras permanecem na rede, o que eleva o déficit para 186 profissionais. “E a solução proposta pelo GDF? Contratar serviços privados para cobrir parte desse déficit, aumentando o número de pediatras em apenas 117”.
A secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, argumenta que a Rede de Atenção no DF é “robusta”, porém a demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) é crescente. “Precisamos ampliar o acesso e fortalecer a linha de cuidado, especialmente para os períodos de sazonalidade das doenças respiratórias, que começaram em dezembro", afirma.
A contratação ainda será feita em modalidade de pessoa jurídica. Segundo a gestora, há uma “uma escassez de mão de obra de médico pediatra, que optam por contratação direta ao invés de incubação por concurso público".
“O governo faz isso sob falsos pretextos: ele alega que há falta de pediatras no mercado. No entanto, o Conselho Regional de Medicina do DF registra 1.798 pediatras ativos. Como digo sempre, não faltam médicos. Falta vontade política. Outro argumento usado, inclusive pela própria Secretária de Saúde, é de que os pediatras (e outros médicos) não se interessam pelo serviço público. Isso não é verdade. Há, sim, interesse pelo serviço público. O que falta é o GDF fazer a sua parte e oferecer condições de trabalho”, também diz nota do SindMédico-DF.
O deputado distrital Gabriel Magno (PT) afirmou que entrou com uma representação no Tribunal de Contas (TCDF) para questionar o aviso de abertura de contratação de uma empresa de pediatria para atuar na saúde pública. Ele destaca que há uma crise na pediatria, mas que privatizar não é a solução.“O que realmente precisamos é de valorização dos profissionais de saúde, com mais nomeações e concursos, para garantir um atendimento público e de qualidade”, afirmou o deputado.
No documento enviado ao TCDF, o parlamentar destaca que a decisão de terceirizar os serviços de pediatria aconteceu sem debate público e sem comunicação prévia ao Legislativo. Magno aponta ainda que o processo aconteceu com “celeridade incompatível com a importância e complexidade do tema”, em apenas 11 dias úteis, já que foi protocolado próximo ao período de recesso parlamentar.
“A tramitação acelerada de um processo de tamanha relevância, sem espaço para um debate público qualificado e para a participação ampla dos órgãos de controle, compromete não apenas a regularidade da licitação, mas também a legitimidade da medida adotada”, afirma trecho da representação.
O deputado pede que o Tribunal determine a suspensão imediata da dispensa de licitação para contratação de serviços de pediatria.
Crise na saúde
Em maio de 2024, uma crise na saúde do DF foi exposta após morte de crianças na rede de saúde pública por não receberem assistência adequada. Uma das mortes foi no dia 14 de abril, quando uma bebê de um mês morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Recanto das Emas, administrada pelo Instituto de Gestão Estratégica em Saúde (Iges), após sofrer duas paradas cardíacas. A família denuncia que não houve atendimento adequado.
Um mês depois, no dia 14 de maio, uma criança de um ano e oito meses faleceu após esperar por mais de 12h por uma ambulância para ser transferida para a UTI de um hospital.
Depois dos casos, deputados da Câmara Legislativa (CLDF) apresentaram um requerimento pedindo a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a crise na saúde pública do DF, a falta de atendimento à população e de transparência em relação aos recursos destinados às unidades geridas pelo IGES.
Em 2024, segundo dados obtidos pelo G1, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), 468 crianças de 0 a 14 anos morreram na rede pública e provada de saúde do DF, de janeiro a agosto. Foram 345 mortes em 19 UPAs e hospitais públicos e 123 em unidades de rede privada. Em média, uma criança morreu por dia na rede pública de saúde do DF, que concentra 73% das mortes.
Privatização na rede de diagnósticos
O GDF também anunciou que dará continuidade ao projeto de privatização da rede de diagnóstico por imagens da Secretaria de Saúde. No DODF, do dia 24 de dezembro de 2024, a Secretaria de Projetos Especiais divulgou que haverá uma consulta pública, aberta até o dia 10 de fevereiro, e uma audiência pública, que será realizada no dia 3 de fevereiro, às 15h, para discutir o tema com a população.
Na prática, o projeto prevê a concessão, por um prazo de 20 anos, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP), da gestão e operação de serviços de apoio ao diagnóstico por imagem da SES-DF. Isso significa que serviços públicos que realizam exames de radiologia convencional, mamografia, tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e ultrassonografia serão privatizados.
A empresa também será responsável pela elaboração do Projeto Executivo e execução de obras das Unidades de Diagnóstico por Imagem e Central de Laudo, além da aquisição e instalação de todos os equipamentos de imagem necessários à prestação de serviços.
Duas empresas se inscreveram no edital de chamamento público da concessão, mas apenas a Alliança Saúde e Participações S.A. entregou os estudos técnico, econômico-financeiro e jurídico no prazo adequado, após três prorrogações. A minuta de contrato apresentada pela empresa aponta que os recursos públicos para a contratação virão do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), mas o documento não estabelece o valor a ser transferido.
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Edição: Márcia Silva