Desde 2007, o Brasil celebra o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no 21 de janeiro. Esta é uma data que reforça a luta pelo respeito à diversidade de crenças e pela liberdade religiosa. No Distrito Federal, a realidade ainda é desafiadora: quase metade dos casos registrados em 2024 teve como alvo as religiões de matriz africana.
Ao longo dos últimos anos, inúmeras ocorrências graves se manifestaram no DF, desde ataques a terreiros de matriz africana, alvejados por balas ou incendiados, até invasões e depredações em templos. De janeiro a outubro de 2024, quase metade dos 42 crimes de intolerância religiosa registrado foram cometidos contra religiões de matriz africana. Em 18 casos, o boletim de ocorrência não especifica contra qual religião o crime foi praticado.
Das 24 ocorrências em que essa especificação acontece, 20 mencionam religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, e quatro a religião cristã. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), obtidos pelo Brasil de fato DF por meio da lei de acesso à informação.
:: Religiões de matriz africana são principais vítimas de intolerância religiosa no DF ::
Em contexto nacional, dados do Painel da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, apontam que, em 2024, foram registrados 3.853 casos de violações de liberdade de religião ou crença, quase o dobro do ano anterior, em que o serviço registrou 2.124 casos. Em 2023, levantamento da startup JusRacial apontou que um terço dos processos por racismo em tramitação nos tribunais do país envolviam intolerância religiosa.
O babalorixá Aurélio de Óde, da casa Ilê Odé Axé Opô Inlé, e coordenador executivo do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana (Fonsanpotma) destaca que, apesar do governo ter um aparelhamento a favor das religiões, as comunidades tradicionais têm sido alvo de intolerância, racismo, vandalismo e agressões nos últimos anos.
"O governo realmente precisa ter punições efetivas que possam, com certeza, coibir esse tipo de crime que tem sido recorrente apesar dos avanços. Temos visto muitos terreiros sendo atacados, muitas pessoas que são praticantes das matrizes africana passarem por intolerância religiosa. Eu, por exemplo, quando vou ao banco, ao mercado com essas roupas tradicionais e eu enfrento olhares críticos, apontamentos", relata.
"No Distrito Federal, quando a gente fala do povo de Santo, é um desafio diário. É um desafio porque são os nossos fios de conta, o nosso pano de Orí, as nossas vestes que incomodam, mas nós estamos conseguindo combater [a intolerância] todos os dias. Porque quem é de Santo já amanhece, bota os seus pés no chão, agradece a Exu e vai para luta diariamente", destaca Christine Alves Bastos - na religião, Kia Nkise Zaze Leuacy, conhecida como Mãe Zaze.
Liberdade das crenças
Com o objetivo de combater violações de direitos humanos relacionadas à diversidade, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus-DF) instituiu o Comitê Distrital de Diversidade Religiosa (CDDR), espaço de diálogo entre a sociedade e o Governo do Distrito Federal (GDF) para propor políticas nessa área.
A proposta vai envolver ações e campanhas educativas, de conscientização e de proteção das vítimas, além de punição de atos discriminatórios ou de violência motivados por questões religiosas. O plano vai oferecer ainda assistência jurídica, psicológica e social às vítimas. Ainda por iniciativa do comitê, foi instituído no DF o Dia Distrital de Combate à Intolerância Religiosa – 25 de outubro.
Para o Babalorixá Uanderson, sacerdote da casa Ilê Asé Yemonjá Ogunté, em Planaltina (DF), as casas de axé não devem receber olhar do Governo do Distrito Federal (GDF) somente quando sofrem ataques esse ataque. "Acredito que o governo poderia implantar formas de combate à intolerância religiosa de forma preventiva. Prevenir para que isso não aconteça", argumenta.
É difícil quando a casa de axé atrai o olhar da mídia e da população apenas no momento em que está sofrendo. É um momento de dor, tristeza, de luto absoluto para aquela comunidade. Justamente quando a comunidade está em luto por ter sofrido um ataque de intolerância religiosa, é que a casa de axé recebe a atenção das forças públicas do governo. Acredito que esse olhar não deveria ocorrer apenas nessas circunstâncias, mas sempre", diz o Baba Uanderson.
Subnotificação
A subnotificação de casos ainda é um desafio significativo. Muitas vítimas de intolerância religiosa não denunciam os crimes por medo de retaliação ou pela descrença no sistema de justiça. Para o próximo ano, uma das metas é fortalecer campanhas que incentivem o registro das ocorrências e ampliem a rede de apoio às vítimas, articulando o diálogo com órgãos públicos e entidades da sociedade civil.
Mãe Zaze explica: "Infelizmente, ainda existem pessoas que não denunciam, que não falam sobre intolerância religiosa, racismo religioso ou racismo institucional. É uma questão muito ampla, porque, quando a pessoa não denuncia, ela sofre calada. Mas, quando denuncia, todos nós nos unimos, porque somos uma comunidade".
Canais de denúncia
Veja onde obter informações e formalizar denúncias sobre intolerância religiosa no Distrito Federal:
- Comitê Distrital da Diversidade Religiosa
Coordenação de Políticas de Proteção e Promoção da Liberdade Religiosa /Sejus-DF
Endereço: SAAN, Trecho 1, 3º andar. Telefone: 2244.1350; e-mail: [email protected]
- Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial
Endereço: SAAN, Quadra 1, Lote C, 3° andar. Telefone: 2244-1289; e-mail: [email protected]
- Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin)
Endereço: Departamento de Polícia Especializada (DPE) – Complexo da Polícia Civil, ao lado do Parque da Cidade.
Informações: 3207-4242; e-mail: [email protected]
- Polícia Civil do DF: Disque 197
- Ouvidoria DF: Disque 162
- Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos: Disque 100.
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Edição: Flávia Quirino